Eu não era fã do BTS… até que me tornei!

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Eu não era fã do BTS… até que me tornei!

Eu já estava bocejando quando me sentei para assistir ao Saturday Night Live em uma noite de abril. A apresentadora da noite era Emma Stone e o convidado musical, BTS. Eu sabia muito pouco sobre o supergrupo sul-coreano de sete integrantes – ainda que tenham milhões de fãs ao redor do mundo, lançado múltiplos álbuns que chegaram ao topo da Billboard 200 e, recentemente, tenham dado um discurso nas Nações Unidas. No Twitter, eu vi muito entusiasmo, mas também muito deboche, direcionado ao BTS e seus seguidores. Ao mesmo tempo que sabia que eles seriam o primeiro artista de K-pop a se apresentar no SNL, eu nunca tinha ouvido uma música do BTS até Stone os introduzir no primeiro intervalo musical.

Os “oh whoa ooh whoa” dos backing vocals flutuaram no palco e um baixo provocante começou ao mesmo tempo que as luzes ligaram para revelar sete figuras – de costas para a câmera – usando ternos escuros e uma variedade de cores de cabelo. Eles se balançaram suavemente de um lado para o outro e giraram para frente. Então, o de cabelo rosa começou a cantar.

Se quiser, você pode assistir ao vídeo do BTS apresentando “Boy With Luv” no YouTube, que já tem mais de 21,5 milhões de visualizações, fazendo deles a aparição musical mais popular que o SNL já recebeu até hoje. Pode ser que você ame; pode ser que não seja o seu tipo de coisa. Ou, ainda, pode ser que não seja o seu tipo de coisa mas algo sobre o BTS te intriga de qualquer maneira, como a sincronia, a beleza, ou o fato de que eles dançam com tudo enquanto cantam e fazem rap ao vivo. Ou como, quando a música acaba, os rapazes esticam suas mãos para a plateia, radiantes, se curvando enquanto gritos engolem seus agradecimentos.

Antes daquela noite, eu não era fã do BTS. Depois de vê-los apresentar “Boy With Luv” e a impactante “MIC Drop”, eu decidi que iria, pelo menos, aprender os seus nomes. Uma semana mais tarde, eu posso te dizer que o líder de 24 anos, RM, é autodidata em inglês e aprendeu assistindo Friends. Tem também Jin, SUGA, J-Hope, Jimin (o de cabelo rosa do SNL), V e JungKook, todos fazendo algumas misturas de canto, dança, rap, produção e composição. Depois de aprender seus nomes artísticos, eu absorvi seus nomes reais, aniversários e traços de personalidade, além das suas forças e fraquezas musicais. Em função das letras do grupo serem, em sua maioria, em coreano, eu aprendi um pouco de Hangul e agora consigo cantar junto, ainda que incorretamente, com grande parte da discografia deles. Fiz maratonas dos seus programas semanais e livestreams. Comprei produtos oficiais. Me tornei amiga próxima de completos estranhos por causa do BTS. Viajei para outro estado para assisti-los se apresentar em um estádio para 55 mil pessoas.

Confessar os detalhes da minha obsessão é catártico e, dado o estigma que se existe sobre fangirls, um pouco vergonhoso. Ainda assim, minha rápida evolução de cética a “ARMY” — nome pelo qual os fãs devotados e diversos são conhecidos — não é rara. Após explodirem em popularidade global em 2017, o grupo coreano (também conhecido como Bangtan Boys) alcançou um nível ainda maior de super estrelismo neste ano. Em 2018, eles embarcaram em uma turnê mundial e apareceram em diversos talk shows e premiações importantes dos Estados Unidos. O seu álbum mais recente, Map of the Soul: Persona, fez deles o segundo grupo na história a ter três álbuns no primeiro lugar em um único ano — os primeiros foram os Beatles. Então foi apropriado que, quando o BTS apareceu no The Late Show em maio, eles se apresentassem no mesmo palco em que os Beatles fizeram a sua estreia na TV americana, um paralelo que o episódio acolheu. Você não precisa gostar do BTS para apreciar o significado que se tem em sete jovens asiáticos, que cantam majoritariamente em coreano, sendo comparados à boy band mais famosa de todos os tempos na TV dos Estados Unidos.

Tudo isso é para dizer que eu não sou a única pessoa que se encantou pelo BTS do dia para a noite; muitos outros “convertidos” contaram suas transformações de noviços a stans do grupo nas redes sociais. Para mim, a jornada pela obra que ultrapassa gêneros do BTS e a sua comunidade de fãs produziu uma felicidade e intensidade que nunca pensei que poderia experienciar enquanto uma ouvinte adulta. Às vezes, cheguei a pensar que estava violando alguma fronteira social. Eu aprendi, no entanto, que ser fã do BTS significa se tornar intimamente familiar com muitos dos preconceitos e hierarquias de gostos que casualmente menosprezam as coisa que você ama — e, à partir disso, decidir que nada disso tem real poder sobre você e o que você gosta.

No começo, eu tratei o BTS como um quebra-cabeças a ser resolvido. Me joguei nos comentários do YouTube para encontrar frases e termos que eu não conseguia entender. Por que as pessoas estão dizendo “I purple you”? O que significa ter um “bias” ou ser “OT7”? Por que o JungKook é chamado de “golden maknae”? Eu assisti não só MVs e apresentações, mas também compilações de memes, ensaios de dança, entrevistas e explicações acerca do complicado universo ficcional que permeia o trabalho do BTS. Eu tentei me aproximar do grupo com uma distância que é natural para mim enquanto jornalista, mas isso provavelmente também vem do desejo incipiente de não me tornar uma fã de boy band.

Quanto mais eu mergulhava, no entanto, menos eu me importava com isso. Eu assisti o BTS apresentar seu hino de 2018, ‘IDOL’, no The Tonight Show e me perguntei como os seus pulmões não explodiram de cansaço. Assisti, também, aos suntuosos curtas para o hit de 2016 ‘Blood, Sweat and Tears’ e não consegui dizer se fiquei mais impressionada pela coreografia ou pela narrativa meticulosa. Fiquei fascinada pelo vídeo de ‘Spring Day’, com a cinematografia sonhadora e referências à autora Ursula K. Le Guin e ao filme Snowpiercer, do diretor Bong Joon-ho. Quando descobri que o vídeo é frequentemente interpretado como um tributo às vítimas (todas em idade escolar) do desastre da barca Sewol, ocorrido em 2014, assisti novamente e chorei.

O BTS não foi, de nenhuma maneira, destinado a chegar a tais alturas; fazendo seu debut em 2013 por uma pequena empresa em uma indústria dominada por três empresas gigantescas de entretenimento. Desde pelo menos 2017, críticos têm tentado formular uma teoria unificada para explicar o sucesso do BTS na cena musical do grande público estadunidense, eclipsando outros grupos de K-pop. Alguns invariavelmente apontam para a adoção prematura e inteligente da comunicação por redes sociais para se conectar com os fãs, que, em retorno, ajudaram o BTS a quebrar recorde atrás de recorde. Outros críticos também mencionam as letras socialmente conscientes do BTS, sua abertura para falar de tabus como saúde mental, sua empatia com as dificuldades das gerações mais novas e a mensagem de amor próprio que transmitem.

Complicando o crescimento da sua popularidade, é claro, está a politicagem que qualquer grupo estrangeiro enfrenta ao dominar os charts dos Estados Unidos. O crítico sul-coreano Kim Young-dae me disse que, quando ele foi a um dos primeiros shows do BTS no país em Los Angeles, em 2014, o público de algumas centenas de pessoas parecia imenso para ele. Em 2017, ele foi ao Billboard Music Awards, onde o BTS chocou os espectadores ao ganhar o prêmio Top Social Artist, quebrando a hegemonia de seis anos de Justin Bieber. Após a cerimônia, jornalistas americanos atônitos na plateia pediram para Kim explicar quem eram aqueles caras. Previsivelmente, o prêmio também levou a revoltas de cunho racista na internet e pessoas bufando sobre o “One Direction asiático”.

Tais reações vêm de uma tendência cultural a enxergar artistas musicais asiáticos — e artistas que não falam inglês no geral — como inferiores, disse Kim, que recentemente publicou um livro sobre o BTS. “A indústria musical americana é muito hesitante em chamar artistas asiáticos de ‘pop stars’. Está tudo bem para eles caracterizar esses artistas como uma subcultura, ou como um movimento asiático-americano,” Kim me contou. “Mas a indústria do entretenimento sempre tem que reconhecer os mais populares e os maiores, gostando disso ou não.” Esse conservadorismo institucional foi precisamente o que os números gigantescos de ARMYs tiveram que superar, Kim comentou: ao votarem para o BTS para Top Social Artist (prêmio que o grupo ganhou por três anos consecutivos), comprando sua música e fazendo stream em seus vídeos, os fãs forçaram a indústria à prestar atenção.

[TRAD] Uma pausa na divulgação do meu livro: eu vi o BTS ontem à noite com a minha mãe, que é uma grande fã. Ela estava super nervosa sobre ser a pessoa mais velha lá, mas se acalmou quando viu um vovô coreano com a cabeça cheia de cabelos brancos na fila.

Com essa atenção, vem também uma resistência que não é baseada no talento ou na música do BTS, mas na identidade do grupo enquanto idols de K-pop. Para alguns, a “coreanisse” deles é razão o suficiente para desprezá-los, como uma matéria da Teen Vogue argumentou após uma emissora de TV australiana mostrar um segmento xenofóbico à respeito do grupo (integrantes são regularmente assunto de ataques racistas na internet, individualmente). É comum ver críticos fazendo comentários debochados sobre o BTS por serem jovens ou por seu status de boy band. A autora de uma matéria recente do New York Times disse que quis “vomitar” depois de saber que algumas pessoas viam tanto a Madonna quanto “uma banda de K-pop com integrantes de 20-e-poucos-anos” como “lendários”.

A tradição de debochar de “boy bands” e dos seus fãs — que frequentemente, mas não sempre, são mulheres jovens — é misógina e os preconceitos etários são muito antigos. Ao mesmo tempo que esse estigma se estende ao BTS — até as divulgações do SNL brincaram com a ideia de que ARMYs são fangirls adolescentes e irracionais —, Kim acredita que o rótulo de “boy band” não está inteiramente correto. “Quando estadunidenses veem garotos bonitos dançando juntos, para eles é obviamente um formato de uma boy band,” disse Kim. Mas, para coreanos e para os fãs, ele acrescentou, eles são “mais um grupo de hip-hop com habilidades vocais e que conseguem dançar incrivelmente bem… Para muitas pessoas, ‘boy band’ automaticamente desconsideraria suas habilidades musicais e sua autenticidade.”

Por esse rótulo ser tão limitador, eu costumo explicar a atração do BTS assim: imagine se os jogadores do seu time favorito (todos os garotos treinam como atletas, afinal de contas) fossem os seus músicos favoritos e ao mesmo tempo, as estrelas do seu reality show favorito e você também os considerassem como parte da sua família. Mesmo assim, eu não posso falar o que atrai cada pessoa para o grupo; o fandom ARMY definitivamente não é monolítico, compreendendo fãs de todas as idades, raças, gêneros, nacionalidades e religiões. Ao mesmo tempo que o etos de inclusão da comunidade seja uma de suas forças, o tamanho do fandom também significa que elementos ruins existem e discordâncias internas às vezes aparecem (por exemplo, há algum tempo foi anunciado que o BTS se apresentará na Arábia Saudita em outubro. Isso gerou alegria intensa em muitos fãs árabes e muçulmanos da região e também críticas daqueles que apontaram, em parte, para os abusos de direitos humanos cometidos pelo governo do país e o fato de que o BTS já arrecadou mais de US$ 2 milhões para a UNICEF, que está dando ajuda às vítimas do conflito no Iêmen — conflito esse que é abastecido pela Arábia Saudita).

A maioria dos fãs novos com quem conversei, no entanto, descreveram os ARMYs como uma comunidade excepcionalmente acolhedora que trabalha para adereçar o mau comportamento que possa ocorrer internamente. Como eu mesma, a escritora e editora Laura Hudson teve seu primeiro encontro com o BTS através do SNL e postou sobre a sua experiência no Twitter:

[TRAD] Ah não eu finalmente assisti o BTS no SNL e 12 horas depois eu sei todos os nomes e proficiências musicais e tenho opiniões sobre quem são os melhores cantores e dançarinos e qual cor e estilo de cabelo historicamente ficaram melhores ah não

“Eu escrevi esse Tweet, e os ARMYs vieram,” Hudson me contou. Ainda que já tenha feito cobertura de outros fandoms como crítica, ela se surpreendeu com o quão abertos os fãs do BTS são. “As pessoas estavam tipo, ‘sim, eles são ótimos, ame junto com a gente!’ É assim que eu gostaria que mais fandoms fossem.” disse Hudson. “Como jornalista, tem imediatamente uma parte cética de mim que pensa tipo, isso é um culto?” ela continuou. “Mas, se é um culto… me parece que é focado em positividade e aceitação.”

Como fãs recentes e um pouco mais velhas, também falamos sobre não poder ter discussões significativas sobre o BTS com muitas pessoas de nossas vidas, e sobre o quão cansativo é ter que constantemente, em algum nível, policiar nossa diversão. Depois de explicar todas as coisas das quais elas gosta sobre o BTS — suas “representações não tradicionais de masculinidade”, a felicidade em suas apresentações, a complexidade estonteante das suas narrativas — Hudson suspirou. Existem tantas forças sociais, ela notou, que impedem as pessoas de se permitirem amar o que elas amam. “A coisa mais simples sobre isso é: me faz feliz,” disse Hudson sobre as músicas do BTS. “Mas se também fosse secretamente um lixo, eu não seria capaz de gostar.”

Enquanto escrevia essa matéria, eu pensei muito sobre o conceito de “prazer culpado”, um termo que não me parece correto para o que o BTS representa para mim. Eu não me sinto culpada tanto quanto eu sinto que deveria me sentir culpada. Revisitei uma matéria de 2018 no New Yorker onde a crítica Emily Nussbaum argumentou contra chamar a série Jane, a Virgem, da emissora CW, de “prazer culpado”, e fiquei chocada com o quanto a análise dela sobre o programa também se aplica ao BTS: “Uma obstrução rosa-choque que expõe as camadas do que o mundo considera fútil” poderia descrever Map of the Soul: Persona, que evoca a psicologia Junguiana e dá continuidade à exploração da identidade do BTS. “Uma produção profundamente sincera… sofisticada e verdadeiramente interessada em todas as variedade de amor, do familiar ao carnal” poderia se referir à ambiciosa trilogia Love Yourself.

Nussbaum chamou Jane, a Virgem de “um programa inteligente que pais e adolescentes podem assistir juntos — o que, em um mundo melhor, seria uma recomendação para uma audiência bem maior”; de fato, muitos fãs do BTS são pais ou avós, mas o que é bom para toda a família raramente conjura muito respeito. Alguns públicos dos Estados Unidos podem ter também noções pré-concebidas sobre formatos culturalmente específicos de novelas e K-pop e, como resultado, falham miseravelmente em avaliar Jane, a Virgem e o BTS em seus próprios termos.

Leva tempo e trabalho para ignorar uma vida inteira de mensagens sociais sobre que tipo de cultura pop é para ser levada a sério. Para mim, ajudou que o BTS ofereceu muito mais do que entretenimento; seguir suas músicas e aprender mais sobre as lutas pessoais dos integrantes me permitiu lidar melhor com o meu próprio distúrbio de ansiedade e me levou a cuidar melhor da minha saúde física. Teve momentos após aquele primeiro mês depois que o episódio do SNL foi ao ar, que eu busquei apoio inconsciente no BTS. Era quase como se, por baixo da minha animação, houvesse um medo de que essa alucinação que eu dividia com outras milhões de pessoas iria evaporar e eu iria voltar a ser uma adulta que não seguia uma boy band como hobby e revirava os olhos para letras sobre amor próprio.

Obviamente, isso não aconteceu. Por enquanto, a alucinação continua, mas, à medida que o tempo passa, ela parece menos um sonho e mais com a vida normal. Só quero aprender o nome deles, eu disse para mim mesma lá em abril. Em algum lugar por aí, sete caras que têm os nomes de Namjoon, Seokjin, Yoongi, Hoseok, Jimin, Taehyung e JungKook estão rindo da minha cara.

Fonte: Lenika Cruz @ The Atlantic

Artigos | por em 22/08/2019
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