“Os Beatles do século XXI”? Como o BTS está mudando a linguagem do pop

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“Os Beatles do século XXI”? Como o BTS está mudando a linguagem do pop

Se refira ao BTS como os novos John, Paul, George e Ringo e eles educadamente negarão. “É um tanto pesado o fardo de sermos chamados de Os Beatles do século XXI,” o integrante de 26 anos, SUGA, disse na conferência de imprensa antes do histórico show do grupo no estádio do Wembley no dia 1º de junho. “Nós queremos ser o BTS do século XXI.” Mas os paralelos, certamente, são válidos.

Eles não são apenas a boyband mais bem sucedida do mundo, mas também donos de uma admiração internacional sem precedentes, assim como os quatro rapazes de Liverpool que inesperadamente se tornaram ícones globais. O BTS é um grupo sul-coreano, formado por cantores, dançarinos, liricistas e produtores musicais, todos em seus 20 e poucos anos e sem dúvidas são tão bonitos quanto talentosos nos palcos.

Em junho, o grupo se tornou o primeiro artista coreano a esgotar duas noites seguidas no estádio Wembley – colocando-os num patamar que cuja tendência é ser exclusivamente a ser ocupado, no mínimo, por artistas que cantam em inglês, ou que pelo menos já se tornaram gigantes no mercado interno inglês.

Possuindo uma fiel legião de fãs conectados, majoritariamente via internet, conhecido como ARMYs, o BTS ocupa uma posição poderosa no pop moderno, reflexo de uma nova era de progresso onde a música ultrapassa barreiras, gêneros e língua, algo gigante considerando a ansiedade de algumas nações em construir muralhas. Mas, na verdade, poucas coisas representam mais o imponente poder possuído pelo BTS do que nos momentos em que eles nem estão presentes.

Esse poder está na angústia que atinge o ar logo quando o grupo se retira aos bastidores, em preparação para o final do show, e os gritos em uníssono “B – T – S!” preenchem as lacunas que aparecem logo quando a batida se inicia, como em comando. E o poder está também na tensão nos bastidores, onde os jornalistas parecem ainda mais ansiosos que o normal. Qualquer um que tenha estado próximo de um empresário reconhecerá a visão: todos os nervos à flor da pele, mãos segurando celulares e olhos ansiosos que se movem da esquerda para a direita sem parar. Mas o BTS, prestes a chegar a uma coletiva de imprensa, cria uma energia totalmente diferente, que de alguma maneira faz com que as temperaturas se elevem.

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O grupo tem seus próprios jornalistas coreanos, que são sérios e possuem um conhecimento onisciente de cada passo do septeto, algo que seu colegas publicitários de outras nacionalidades não poderiam nem ousar em competir. A barreira da linguagem apenas adiciona ansiedade. Haverá um tradutor, é dito à imprensa. Perguntas sobre a saúde mental dos integrantes não são bem vindas pela equipe coreana, então muitas deverão ser revisadas. O BTS caminhará pelo ambiente durante a coletiva, se misturando aos jornalistas. Ou talvez eles não vão, outro publicista comenta. Todos aparentemente estão comicamente em seus limites.

Mas no meio de dezenas de jornalistas, alguns ingleses e outros vindos da Coreia, há uma garotinha de 8 ou 9 anos, trazida como acompanhante de um homem que presumidamente é seu pai. E só de olhar ao redor, ela é a que brilha de felicidade genuína no meio de todos, a única que não está exausta pelas burocracias de coletivas de imprensa, e nem incomodada pelo clima. E todos aqueles jornalistas não passam de vultos para ela, os olhos da garota permanecem fixados nas duas entradas para o backstage da sala de conferência, sabendo que dentro de minutos os sete jovens garotos se farão presentes e a abençoarão com um momento que a tornará a garota mais popular da escola na próxima semana, e que a ajudarão em momentos de silêncio desconfortáveis nos próximos anos. O BTS é para ela o que Duran Duran, Spice Girls e One Direction foram para aqueles de gerações anteriores a dela.

Quando o BTS finalmente aparece, é a garota que prova para todos ali que era a única com o comportamento adequado desde o princípio. Pessoalmente, o grupo é notavelmente calmo e profissional, com cabelos e visuais imaculados que são muito mais parecidos com jovens empresários do que o estilo urbano, moderno e casual que o grupo utiliza em cima dos palcos.

O jeito leve deles é aparente durante a entrevista. Há falas bobinhas sobre o mau-funcionamento dos microfones, momentos que aparentemente são piadas internas para o grupo, e um senso palpável de camaradagem e química entre todos os sete integrantes. E aquela questão sobre saúde mental, ou melhor, sobre a importância de falar abertamente sobre inseguranças pessoais através de suas músicas e entrevistas, é respondida sem estranhamento e tangencialidade, como alguns na sala presumiam que seria.

“Nós não tínhamos essa atitude de ‘vamos mudar a indústria’ ou ‘vamos mudar o mundo e influenciar milhões de pessoas,’” responde RM, o único fluente em inglês e consequentemente o porta-voz do grupo fora da Coreia. “Nós apenas sabemos como contar nossas histórias e expressá-las através de nossas apresentações. Com o tempo, os fãs começaram a nos contar que nossas mensagens e apresentações mudaram suas vidas e os inspiraram, e é o que faz com que continuemos, através das dificuldades e ironias desta indústria… BTS é sobre recarregar a bateria das pessoas. [Mas] é como se estivéssemos recarregando uns aos outros.”

E é uma boa resposta, vaga mas ainda assim satisfatória, uma que pode ser interpretada como dizendo tudo e nada, ao mesmo tempo. O BTS é muito bom nesse tipo de coisa, e isso resulta numa coletiva de imprensa que é encantadora assim como modesta. Todos estão muito animados com os shows no Wembley, eles elaboram; SUGA, que além de rapper trabalha como produtor para o BTS e outros artistas coreanos, relembra de assistir trechos do Queen no Live Aid com seu irmão e sonhando em se apresentar ali um dia; e o Coldplay é o topo da lista de parcerias dos sonhos britânicas deles.

Se você não é um fã do BTS, não há aparente separação do grupo pelas outras boybands que os precederam. Mas sempre existiu algo intrigante e revolucionário sobre o septeto, suas letras constantemente voltadas para temáticas de auto-aceitação, progresso social e saúde mental, com cada um dos integrantes possuindo um certo nível de liberdade criativa que é relativamente nova para o famoso regime regrado da indústria do K-pop.

E é impressionante, mesmo antes dos ouvintes perceberem as referências nas letras e conceitos do grupo que vão desde a filosofia junguiana, Herman Hesse a Albert Camus, refletindo numa discografia complexa em mitologias com histórias paralelas expansivas para os ARMYs refletirem e criarem sobre.

Imagine a obsessão de Taylor Swift com seus easter eggs, mas com raízes profundas ao invés de fotos de seus gatos. Um exemplo: o uso de máscaras de porcelana e túnicas para o vídeo de 2018 de “Fake Love”, que levou a uma vibrante discussão entre os fãs sobre os paralelos sobre a vida dupla dos artistas, suas personas e o próprio fandom.

Honestamente falando, o BTS é muito mais profundo e interessante do que um grupo masculino que lota estádios precisava ser, acomodando tanto a ambição criativa de seus integrantes e de sua diversidade de fãs sempre preparados para novos desafios. Assim como o One Direction antes deles, há uma tendência majoritária dentre os círculos midiáticos em negligenciar o BTS por conta de seu público jovem e em sua maioria feminino, um clichê cultural que subestima tudo e qualquer coisa admirada pelo público jovem feminino como inferior ou insignificante – cultura machista que corre muito mais profundamente que apenas na música pop. É também um desserviço ao apelo substancial e incontestável do grupo.

Na primeira das duas noites de shows no estádio do Wembley, em junho deste ano, uma grande proporção da platéia de 60 mil pessoas presentes era incontestavelmente feminina, em suas mais diversas cores e etnicidades que agarravam firmemente as lanternas oficiais do grupo – ARMY BOMB – e cantavam e gritavam, descendentes naturais das jovens garotas que causaram a Beatlemania.

Mas havia outros também. Garotos podiam ser vistos imitando as coreografias energéticas do grupo. Bandeiras do orgulho LGBTQ+ eram erguidas pelo estádio. Um número significativo de adultos, tanto com ou sem seus filhos eram vistos (e deve ser dito que os pais estavam se divertindo ao invés de olhar desesperadamente para o relógio ou saídas).

Considerando que boybands anteriores a eles, mais frequentemente do que o contrário, tinham audiências claramente definidas, desde a decisão de levar o One Direction explicitamente para um público feminino e jovem com músicas pseudo-empoderadores como “What Makes You Beautiful” ao início da carreira de Take That que era exaustivamente voltada ao público gay, há uma universalidade atípica ao apelo do BTS. É de um tipo que significa que poucos serão capazes de resistir.

Ajuda o fato da discografia deles passeia de maneira efetiva entre uma grande variação de gêneros, desde o R&B no melhor do estilo Weeknd ao pop de Carly Rae Jepsen, em momentos destoantes, em um metal leve que não ficaria de fora de um álbum de Limp Bizkit.

E poderia ser argumentado que é tudo parte de uma grande estratégia de marketing. Que as músicas do BTS são moldadas para aparecer nas mais diferentes playlists possíveis do Spotify. Há uma tendência inegável de algo mais globalizado em seus mais recentes álbuns, com Map of the Soul: Persona, contando uma música produzida por Ed Sheeran e colaboração com Halsey no single principal. Mas também é um reflexo de como cada um dos sete integrantes conseguiram moldar seu próprio espaço dentro da larga estrutura do grupo, e como eles conseguiram fazer uma mistura que poderia ser agressiva e exagerada ser tão natural.

Na mídia ocidental pelo menos, esse equilíbrio de grupo com marcas individuais, que é óbvia no palco com as sete apresentações solo que fazem parte da setlist da turnê, nem sempre foi referida de maneira positiva. De fato, poucos publicistas terão evitado pelo menos um trecho sensacionalista sobre artistas do mundo coreano que são presos em relações abusivas com seus empresários, agentes e jornalistas, e relações essas que não há esperanças de se escapar.

Em defesa, existem certamente algumas verdadeiras histórias de horror, desde trainees muito jovens que são forçados a competir uns contra os outros nos aspectos de canto, dança e aparência, aos contos de estrelas pop que são contratualmente forçadas a procedimentos estéticos ou dietas extremas com o objetivo de conquistar um visual mais apelativo e desejável.

É tão comum essas lendas urbanas de exploração na indústria musical coreana que, tomando o BTS de exemplo, você em algum momento deve ter procurado e analisado obsessivamente cada ação dos integrantes a procura de algum trauma secreto. Se auto-questionando se aqueles olhares cansados ou expressão neutra é devido algum tipo de abuso, ao invés cansaço físico e mental comum a todos os humanos. Deve-se reconhecer o quanto a projeção de uma narrativa pessoal pode atingir a visão que temos de um jovem adulto muito capaz de articular seus próprios pensamentos e aflições. “Eu não consegui dormir na noite passada pensando na apresentação no Wembley,” SUGA eventualmente esclareceu, evitando possíveis mal-entendidos. Ele apenas precisava de um bom cochilo.

Não é uma reflexão complexa perceber que a infindável necessidade da mídia ocidental falar sobre o “lado sombrio do K-pop” é na verdade uma dificuldade de ver outras culturas que funcionam de maneira diferente da nossa. Principalmente quando analisamos que não há muita diferença entre os abusos que ocorrem na indústria coreana e dentro das paredes de empresas ocidentais.

Não poderíamos pensar que o Clube do Mickey Mouse, lugar de nascimento de estrelas como Britney Spears, Christina Aguilera e Justin Timberlake de uma forma ou outra uma versão americanizada de um campo de treinamento de idols? Com um número igual de riscos desnecessários quando se fala em produção de grandes estrelas que moldaram a cultura pop assim como são destruídos por ela?

E mesmo fora dos mais conhecidos contos de estrelas pop teen que sofreram em sua vida adulta, há aquelas histórias sobre métodos quase ritualísticos de treinamento e pais que transformam seus filhos talentosos em pequenos, e prematuros ícones. Beyoncé não teve que passar, pelo menos publicamente, pelas dificuldades de que algumas de suas colegas enfrentaram, mas sua infância certamente não foi muito diferente daqueles que foram criados para a fama na Coreia do Sul.

BTS, pelo que sabemos, possui uma história surpreendentemente limpa para super estrelas globais. Mas eles também atingiram um nível de sucesso que os fez um tanto inconsequentes de outras maneiras, particularmente quando o assunto é o mundo corporativo da música e seus senhores.

Map of the Soul: Persona é cheio de referências ao desinteresse do grupo em um pop sem peso (“Nascido como um idol de K-pop e reencarnado como um artista,” são as linhas de rap de SUGA em “Dionysus”), e a consciência deles em colocar limites claros entre suas personas apresentadas ao público e o que existe por trás das câmeras (em “Intro: Persona”, RM canta, “O eu que quero me tornar, o eu que as pessoas querem que eu seja… o eu que está sorrindo, o eu que por vezes chora.”)

E também durante a coletiva de imprensa antes do show do Wembley, RM falou sobre a dependência psicológica do grupo pelos seus nomes artísticos. Com uma característica de um estudante de filosofia existencialista e fala legítima, RM refletiu sobre a importância que os nomes artísticos guardam em temos de sobrevivência.

“Quando você cresce e quando a noite chega e o sol se põe, a sombra de uma pessoa cresce,” ele começou. “Então se minha altura aumentar, a sombra aumenta. Por vezes é demais, muito difícil e também muito grande para nós, mas para viver e sobreviver como um artista e uma pessoa que confia e ama a si mesmo, precisamos ser amigos dessa sombra. Nosso novo álbum se chama Persona. Eu tenho minha persona, RM, e eu tenho minha outra persona, Kim Namjoon, um cara normal em seus 25 anos na Coreia, e nós precisamos manter essas duas personas e dois nomes vivos.”

Se você está inclinado a abraçar tal sabedoria ou apenas revirar os olhos, é uma fala que vai além do pensamento esperado de uma estrela pop tradicional, algo que reflete ainda mais a energia que o BTS emana, suas elaboradas mitologias e a empatia e introspecção que os fez se conectarem diretamente com que os fãs de pop querem e precisam.

Tão comumente, de maneira negativa, enquadrados como artistas de nicho, ou uma fábrica de músicas chiclete que tem por trás uma empresa de entretenimento sinistra, o BTS evoluiu como artistas silenciosamente radicais de sua própria maneira, quebrando barreiras, regras e tudo o que pensávamos que sabíamos sobre pop internacional de sucesso, com pouco mais de muito esforço e trabalho duro e ecos de fãs gritando deixados para trás em seu rastro. Parece a hora perfeita para evoluir o seu coreano.

Fonte: The Telegraph

Artigos | por em 10/08/2019
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