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Eu ainda estou esperando por uma crítica de um dos shows do BTS que não mencione os gritos dos fãs nas primeiras linhas, muitas vezes descrevendo os ARMYs como meninas adolescentes obcecadas, ou que não desmereça a música do grupo coreano como “música pop enlatada”, e que também não enfatize o fato de que seis dos sete integrantes não sabem falar inglês fluentemente. Até mesmo críticas que saibam mostrar ao público a mensagem positiva trazida pela trilogia de álbuns Love Yourself não conseguem apresentar o significado exato dessas palavras.
O que os autores dessas críticas esquecem, e que também muitos fãs provavelmente nem se lembram, é que existe algo inerentemente político e radical na ideia de se amar.
É muito fácil interpretar o amor próprio como egoísta. Você pode se amar ao custo dos outros, mas esse não é o foco do BTS. Se amar não é o mesmo que a série Parks and Recreation quer dizer com o lema “Treat Yourself” (mime a si mesmo), ou a crescente indústria de cuidados pessoais. Isso não é o que Kim Namjoon, também conhecido como RM, quis dizer em seu último discurso no final do show do dia 6 de outubro, no Citi Field, ao falar, “E conseguir me amar é minha meta de vida até eu morrer. E o que é me amar? O que é se amar? Eu não sei. Quem pode determinar a melhor forma e maneira de se amar?”
Não está exatamente claro para mim o que RM quer dizer quando fala em “eu”, mesmo com meu passado acadêmico em Filosofia, mas fica claro para mim que não se trata do ego* ou de uma persona. E se consegue ter uma noção do significado de suas palavras quando analisadas junto com outras coisas que o grupo já disse em entrevistas passadas e letras de músicas, especialmente aquelas que foram co-escritas por RM.
Em suas últimas palavras no Citi Field, RM também mencionou que foi muito especial para ele se apresentar em Nova Iorque, pois é o berço do hip-hop, música que salvou sua vida, o inspirou, e o fez ser quem ele é hoje.
Ver as pessoas descreverem BTS como uma boyband superficial é ignorar o fato que eles se baseiam no hip-hop. E é muito fácil desconfiar de hip-hop quando [está na] música pop coreana, e realmente se deve ser cético, porque existem muitas imitações, apropriações e fetichizações na indústria, além de roubos da estética do hip-hop.
BTS já cometeu o que mencionamos acima no início de sua carreira, especialmente no que se refere ao estilo. Mas o que as pessoas costumam ignorar é que, na maioria das vezes, hip-hop é um movimento altamente político. E quando se pergunta aos rappers do BTS quem foram suas influências musicais, SUGA normalmente menciona o ganhador do Prêmio Pullitzer Kendrick Lamar, e também Lupe Fiasco. RM mudou conscientemente sua visão do hip-hop, admitindo que ,no início de sua carreira, ele cometia apropriações erradas da cultura negra, e afirma que recebeu ajuda de Warren G, que acredita que hip-hop está aberto para todos.
Só porque o BTS tem uma mensagem positiva e por criarem músicas populares que nem sempre são musicalmente inovadoras, não significa que não é política, nem que possui valor maior do que apenas entretenimento vazio (apesar de serem artistas muito bons). RM frequentemente faz uso de linguagem inclusiva quando fala. Em seu discurso na ONU para o lançamento da campanha Youth 2030 em setembro de 2018, ele disse com essas palavras, “Eu quero ouvir a sua voz, e quero ouvir suas convicções. Não importa quem você seja, de onde você é, sua cor de pele, sua identidade de gênero, se expresse.”
Em uma entrevista com a Billboard em fevereiro de 2018, SUGA disse claramente quando questionado sobre o contexto da música “Same Love” de Macklemore e Ryan Lewis [que] “Não é errado. Somos todos iguais.” E em relação aos protestos de 2017 contra a então presidente Park Geun-hye, “Cidadãos se unindo em uma única voz, superando o certo e errado, verdade e mentira, é algo que eu fielmente apoio.”
BTS é diplomático em suas entrevistas, mas não são apolíticos.
As feministas da segunda onda de 1960 usavam o slogan: “O pessoal é político.” E isso significa que o seu lado pessoal, o seu “eu”, sua identidade, é inerentemente política. Sua experiência pessoal importa dentro das estruturas sociais maiores.
A ideia é particularmente aparente para pessoas com identidades interseccionais — mulheres negras, homens trans homossexuais, pessoas não-brancas LGBTQ+ — mas também para qualquer pessoa que esteja marginalizada. Normalmente, as características visíveis de sua identidade são feitas de forma a se encaixar em categorias hierárquicas criadas e usadas para te oprimir (ou são transformadas em instrumentos de venda).
Em sociedades democráticas capitalistas baseadas em um modelo liberal de autonomia (que, apesar de variar de acordo com a cultura, foi forçado em praticamente todo o mundo por meio do imperialismo e colonialismo, incluindo a Coreia da Sul), responsabilidade pessoal é ainda maior quando se trata de “sucesso” financeiro ou na carreira. Mas, sistematicamente, sua identidade é, na verdade, o que te torna injustamente responsável — nos EUA, homens negros são automaticamente culpados, mulheres são inerentemente mentirosas, e estrangeiros são primeiramente identificados como suspeitos.
A norma global dominante tem sido definida de forma que uma única identidade (homem, cis, branco, heterossexual) esteja no topo, e todo o resto se localiza na periferia. Mesmo que a identidade dominante seja uma minoria numérica, e mesmo que pessoas dentro dessa identidade também possam ser marginalizadas, todos são forçados por meio de práticas sociais a ficarem dentro dela. É possível ver isso em qualquer lugar. Desde o “peso ideal” para se manter dentro do normal. Ou pessoas de cor de pele mais escuras tentando clarear sua pele para entrar no padrão de beleza considerado ideal. Ou a diferença de salários entre gêneros e raças. E também até mesmo criminalizar ou transformar a homossexualidade em doença. Ou até padrões sociais como empregos “das 9 às 17”, casamento e filhos, ir para a faculdade.
Claro, é necessário algumas normas para que possamos coexistir em sociedade. Mas essas regras não precisam organizar a vida em moldes tão rígidos e hierárquicos, que explicitamente fazem as pessoas se sentirem mal consigo mesmas. Porque, se você não se encaixa no padrão, te transformam em uma doença, falam que você é maluco, e que não tem valor. A sociedade fala que você precisa se consertar, e é possível fazer isso com 3 parcelas de $99.99.
A contradição existente na tradição liberal de autonomia é que também somos alimentados constantemente que se você se esforçar e se destacar, será bem sucedido dentro das “regras do jogo.” E isso nos é mostrado de maneira genérica, como citações inspiradoras. O BTS constantemente comenta sobre essa pressão por meio de sua música.
Somos parte de uma cultura obcecada com fama e dinheiro, e que perpetua a ideia de “sucesso” dentro das normas padrão, enquanto ignoramos coisas como o racismo inerente na riqueza intergeracional, acesso limitado à oportunidades e recursos, nepotismo e “tetos de vidro.” Tornamos a acumulação de capital nosso único objetivo, e ao mesmo tempo impedimos a grande maioria das pessoas a atingir essa meta.
E talvez seja necessário mudar essa meta. Talvez RM não esteja sendo banal quando fala que quer ser feliz. Porque, no final do dia, a grande maioria das pessoas só quer ser feliz sem sofrer.
E é por isso que o pessoal é político. Por isso que todas as políticas são políticas de identidade. Mas também porque é importante ter músicos escrevendo letras sobre não se sentir mal com quem você é. Sobre reconhecer que outra pessoa te deu grande parte do que você é, e o processo de identificar o que realmente faz parte de si mesmo, e o que veio do outro, e o que fazer com essa versão de si mesmo. Sobre o porquê está tudo bem em rejeitar as normas enraizadas no liberalismo e não se sentir pressionado em chegar a um nível de sucesso que não é possível alcançar sem ter apoio da hierarquia social.
Da música “Paradise” que, infelizmente, o BTS não incluiu nas músicas que estão apresentando em sua tour de shows:
Está tudo bem parar
Não há necessidade de correr sem ao menos saber o motivo
Está tudo bem não ter um sonho
Se você tem momentos onde se sente feliz por um pouco
Nós alugamos sonhos dos outros (como uma dívida)
Nós aprendemos que devemos nos tornar grandes (como uma luz)
Seu sonho na verdade é um fardo
Quem disse que um sonho deve ser algo grande
Apenas se torne alguém
Nós merecemos uma vida
Não importa se grande ou pequena, você é você afinal de contas
Se amar é uma declaração política. É uma grande afirmação, e de alguma forma as pessoas constantemente a esquecem. Muitos fãs do BTS são mulheres, meninas, e é esse público que mais desesperadamente necessita dessa mensagem. E quanto mais novas, melhor. Porque é o extremo contrário das mensagens passadas para as mulheres de todo o globo: suas ideias não importam. Sua voz não importa. Seu consentimento não importa. Sua autonomia corporal não importa. Seu trabalho não importa. E essas mensagens são piores ainda e mais humilhantes para mulheres negras.
Se você é um LGBTQ+ marginalizado, ou uma pessoa com uma doença “invisível”, sua identidade talvez nem seja reconhecida pelos outros, e talvez você constantemente se sinta alienado sobre quem realmente é.
Mas mesmo que mais ninguém pense que você importa ou te ame da forma que você precisa ser amado em uma sociedade que nos força a ser indivíduos, se amar é um dos únicos atos revolucionários que se pode fazer.
RM já disse em entrevistas que você precisa se amar antes que possa amar outras pessoas, e eu acredito que muitas vezes a pessoa interpretam essa afirmação com o viés romântico. Claro, o próximo passo talvez seja amar alguém dessa forma, mas antes talvez seja necessário reconhecer os outros.
Se você, marginalizado, tem seu valor, então outras pessoas marginalizadas também têm.
Eu não sou ingênua. Eu não acredito que o amor irá curar o mundo ou que o amor sempre vence. Mas eu acredito que se você se compreende, valoriza a si mesmo e sua identidade, então você também pode reconhecer que são os sistemas e normas sociais que querem que você se odeie, para que você se sinta sem poder, desprovido de direitos, e facilmente aproveitado.
Eu acho que o ponto apresentado por RM quando diz “se expresse” quer dizer que se você continuar se expressando, então outras pessoas eventualmente irão reconhecer que você existe, que sua voz existe, e que você se recusa a ser silenciado.
Se você explorar as letras do BTS e o que os membros dizem em entrevistas, verá que eles não passam uma mensagem fútil ou inspiração vazia. Ao escrever letras pessoais, encorajar uma exposição do interno com efeitos externos, eles estão sendo políticos explicitamente, com mensagens importantes para uma fã base que normalmente é silenciada.
E eu acho que eles enxergam isso.
Quando RM disse “me use, nos use, use o BTS como meio para se amar” para um público de mais de 40 mil pessoas no Citi Field, ele está reconhecendo a necessidade universal de ser validado. Ele também reconhece que a música de seu grupo, assim como hip-hop, pode ser para todos se eles estiverem abertos para isso.
E é por isso que desmerecer o BTS, desmerecer suas vozes e a de seus fãs, é desmerecer algo radicalmente político e vitalmente importante.
*Ego como o significado filosófico criado por Freud, referente às características da personalidade de cada indivíduo.
Fonte: Heidi Samuelson @ Medium
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