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Nesse ponto, seria estranho se você ainda não tivesse ouvido falar do grupo coreano de pop/hip-hop BTS (com os rappers SUGA, RM e J-Hope e os vocalistas V, Jimin, Jin e JungKook).
Eles dominam a internet, graças aos seus fãs conhecidos como ARMYs, mas seu poder no ocidente é tangível, percebendo-se desde seus shows lotados em arenas nos Estados Unidos em 2016. Em 2018, o grupo tornou-se um “rolo-compressor” – Love Yourself: Tear chegou ao 1º lugar nos charts de álbuns nos EUA em maio, e todas as mais de trinta datas de sua turnê mundial, incluindo duas noites na O2 Arena em Londres, tiveram seus ingressos esgotados em minutos.
Com a trilogia Love Yourself completa (Her, Tear e o recém-lançado Answer) sendo a plataforma que levou o BTS a um sucesso sem precedentes, olhamos para os momentos mais memoráveis da série e sua trajetória para a dominação do pop.
Primeiramente, vale a pena relembrarmos os seus anos iniciais (2013/14), nos quais o BTS lutou para ascender nos rankings do K-Pop. No começo, no entanto, suas músicas falavam de forma direta sobre juventude e ambição. Além disso, eles criaram um grande conteúdo no YouTube sobre o que acontecia por trás das câmeras, mostrando o lado despretensioso, sociável e vulnerável de cada membro. Sem essa autenticidade, a proposta visual de um conto sobre juventude e amadurecimento que acompanhou os dois álbuns da série The Most Beautiful Moment in Life em 2015 – nos quais eles modernizaram seu estilo, bem como seu som, adicionando sintetizadores a uma vibe R&B/hip-hop – teria parecido rasa e forçada.
Foi uma combinação de som e história (pelas quais cada membro adotou um passado obscuro fictício) que os destacou, de forma que o BTS ultrapassou os limites do K-Pop para seguir seu novo caminho. Essa história – cujo protagonista é o Jin, um viajante do tempo, que tenta modificar seus destinos problemáticos – expandiu-se através do álbum WINGS de 2016 e a saga Love Yourself em 2017/18, criando uma jornada sinuosa de descobertas sobre si inspiradas pela literatura (Hesse, Le Guin, Orwell, Doty, Murakami), arte renascentista e filosofia (Nietzsche, Jung).
Sobre o Her, SUGA disse no lançamento em setembro de 2017, “há muitas canções que expressam o momento em que você se apaixona”. O amor, entretanto, tem muitos lados. “Pied Piper”, uma alusão viva ao Daft Punk, fala sobre um amor obsessivo, onde eles repreendem os fãs por negligenciarem o estudo e o trabalho enquanto sentem o prazer de serem os culpados (“Eu estou aqui para te salvar, Eu estou aqui para te destruir”).
Na doce “Dimple”, JungKook canta “Esse sorriso é mais que cruel… Eu quero cair e morrer nele, Eu quero me afogar nele, Para mim, você é um lago”; suas palavras oscilando entre adoração e loucura. Essa ambiguidade intrigante também aparece na abertura do álbum – “Intro: Serendipity” de Jimin, com tons de encanto e súplica. Suave com a presença de violão e sintetizadores extasiantes, a sua representação do amor, este advindo do destino, também constrói a premissa do single, a singular e magnética “DNA”.
Sua trajetória ascendente foi acelerada pela grande frequência de reproduções nas rádios de seu segundo single – “MIC Drop”, remixado por Steve Aoki, com um som distinto, incendiário e provocativo aos odiadores; “DNA”, no entanto, provocou um maior impacto, sendo o vídeo mais assistido do grupo com mais de 470 milhões de visualizações, além de ter sido sua primeira apresentação na televisão estadunidense, no AMA em novembro de 2017. Atingindo mais de 9 milhões de espectadores nos EUA, a talentosa performance gerou um milhão de pesquisas no Google sobre o grupo, debatendo sobre a possibilidade de uma música em um idioma estrangeiro alcançar e conectar-se com uma audiência com o inglês como língua materna tão grande.
Em maio de 2018, a capa preta de Love Yourself: Tear indicava uma virada sombria da narrativa. Love Yourself: Her havia encerrado com um som vintage, porém típico do BTS com “Outro: Her”, através da reflexão dos rappers sobre dúvidas em relação a si e transparência em relacionamentos, o que ligou-se ao single de Love Yourself: Tear e ao frágil ápice de uma mentira, “FAKE LOVE”.
Enquanto isso, o lago mencionado em “dimple” retornou em “Intro: Singularity”, a faixa pré-lançada de neo-soul cantada por V, com uma aura aveludada e contando com a presença de suas angústias. No universo do BTS, tudo conecta-se para ser absorvido, desde elementos nos vídeos (como janelas, máscaras, flores, a cor amarela) aos livros de fotos dos álbuns, as letras e a coreografia.
Love Yourself: Tear se une ao esquema do grupo, onde a temática entremeia-se com o pessoal e o empírico. Musicalmente, porém, é muito mais coerente que o seu predecessor. O peso necessário para a expressão dos sentimentos de aversão e enganação a si, o que perfura Love Yourself: Tear como espinhos, é traçado de forma excelente na sua faixa mais madura, “The Truth Untold”, guiada pelo piano.
Uma flauta divertida e o contracanto de “134340” encobrem o ressentimento amargo presente na letra, e em “Love Maze” e no sintético EDM de “So What”, os garotos reconhecem as dificuldades para se encontrar respostas na vida. A base de fãs cresceu exponencialmente entre esses lançamentos. Em casa, ambos álbuns venderam mais de 1,7 milhão de unidades cada.
Nos Estados Unidos, a onda estava começando; “DNA”, “MIC Drop” e “FAKE LOVE” ganharam ouro, e Her atingiu o sétimo lugar. Tear, todavia, venderia 135.000 cópias (100 mil puras) em sua primeira semana, tirando Post Malone do primeiro lugar na chart estadunidense – a primeira vez para artistas coreanos. Nas paradas britânicas, sem nenhuma promoção ou reproduções nas rádios, ele atingiu 8º lugar.
A primeira apresentação de “FAKE LOVE”, que atingiu o Top 10 nas paradas de músicas dos EUA, teve o foco da mídia mundial no BBMAs de 2018; eles se consolidaram não como um interesse passageiro, mas como um competidor desafiador. Com Her, o grupo – jovial, ambicioso, mas ainda nervoso – “chegou”, porém ainda deixava a mídia e o grande público um tanto confusos. O batedor de recordes Tear, indiscutivelmente, jogou um coquetel molotov na indústria e no país que luta com – e frequentemente contra – diversidade e igualdade.
O BTS ateou fogo a toda a noção preconcebida sobre o que a audiência ocidental desejava de um grupo pop – e encontrou elogios, mas também foram desprezados. Em Love Yourself: Answer, um álbum duplo que comporta-se como uma compilação e uma conclusão, é evidente que o BTS não se importa com aprovação nem opiniões superficiais.
“Você pode me chamar de artista, você pode me chamar de ídolo… Eu não me importo, eu tenho orgulho disso”, RM diz no novo single “IDOL”, que mistura trap, EDM e house sul-africano. No vídeo, sua origem coreana é celebrada em todos os momentos – a dança e as vestimentas tradicionais, o tigre, o coelho na lua, o hanok*.
“IDOL” quebrou o recorde da Taylor Swift de vídeo mais assistido em 24 horas com mais de 45 milhões de visualizações, atingindo o primeiro lugar em 66 países no iTunes, e Love Yourself: Answer conseguiu a primeira posição nos Estados Unidos, sendo a segunda vez no ano para o grupo, colocando-os no nível de Drake, Future, The Beatles e Elvis Presley.
De 16 faixas no primeiro CD (com abertura de “Euphoria”, cantada por JungKook, com sua voz atingindo o clímax como um salto nas mãos instáveis do amor), sete são inéditas e as outras são as mais importantes para a história dos álbuns anteriores.
Colocadas na ordem da narrativa, desde o amor predestinado, passando pelo amor falso e chegando ao amor próprio, o efeito é semelhante a um pequeno ponto de luz através da escuridão, inabalável até ser absorvido pela última faixa, “Answer: Love Myself”, que ultrapassa expectativas quanto à letra, mas permanece seguro no âmbito instrumental.
Os solos dos rappers adicionam mais uma camada a cada arco da história; “Trivia: Just Dance” (com J-Hope intensificando um movimentado future-house) compara o amor à dança ao sonho de se apaixonar, “Trivia: Love” (com brincadeiras com as palavras junto ao piano e a harmonia romântica de RM) fala sobre um novo amor, e “Trivia: Seesaw” tem SUGA e seu compasso áspero amaciados com synth-pop e disco funk como um dos destaques do álbum, trazendo a reflexão sobre um relacionamento no limbo.
Escalonadas entre o álbum estão as introduções, incluindo a mais recente, cantada por Jin. “Epiphany”, tocante e influenciada pelo Brit-rock, é a peça final da narrativa em quebra-cabeça, visual e liricamente, à medida que ele aceita seus defeitos. “Por que eu queria esconder meu eu tão precioso, do que eu tinha tanto medo?” ele pergunta, “eu deveria ser quem amo nesse mundo”.
Conceitualmente, “Epiphany” e “I’m Fine”, o importante equivalente de drum ‘n’ bass ao single trop-house “Save Me” de 2016, resumem Love Yourself: Answer, onde não há promessas sobre um futuro perfeito. Para toda a emersão do BTS à alegria e à luz, não há uma solução direta – “Talvez realmente não exista uma resposta”, pensa RM em “Answer: Love Myself”.
Isso não reduz a mensagem passada pelo BTS e a força que os fãs tiram disso. As representações dos medos, erros e pensamentos que nos infligimos permanecem comoventemente identificáveis – o que o álbum final da série faz é nos lembrar que cada pessoa tem de seguir seu próprio caminho, e não há uma única forma de conseguir a própria aceitação. Entretanto, o triunfo sobre seus próprios demônios é importante de se revelar.
O aspecto fictício da trilogia não impediu o BTS de continuar a usar sua música como um meio de terapia pessoal, refletindo sobre ser jovem e compreender quem são como indivíduos, enquanto sob o olhar inquisidor do público. Love Yourself: Answer é o encerramento artístico e emocional satisfatório de um capítulo – embora as inspirações do grupo sobre o próximo projeto já são alvo de especulações.
Por agora, deixamos eles no topo, com um álbum que justifica ser ouvido repetidas vezes e leituras profundas das – geralmente complexas – letras, ao mesmo tempo que o grupo segue para sua turnê internacional, onde eles continuarão, sem dúvidas, a sua reescrita incontestável da história da música.
*N/T: Casa coreana.
Fonte: Clash Music
Trans eng-ptbr; clau @ btsbr
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