O fandom ARMY e o seu poder de mudança através do ativismo 💜

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O fandom ARMY e o seu poder de mudança através do ativismo 💜

Depois de derrubar o aplicativo do Departamento de Polícia de Dallas no Texas e doarem mais de 1 milhão de dólares para o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), ficou mais do que claro que os fãs de K-pop são uma força legítima a ser reconhecida. Porém, isso não deveria ser uma surpresa — fandoms tão apaixonados sempre estiveram bem equipados para forçar mudanças.

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Na noite de sábado, 6 de junho, o movimento estadunidense Black Lives Matter recebeu a sua maior doação até aquele momento — 1 milhão de dólares doados pelo BTS. Essa quantia e o feito, no entanto, foram ofuscados 24 horas mais tarde. Não por nenhuma grande celebridade, mas pelos próprios fãs do BTS ao redor de todo o globo. Na manhã seguinte, os ARMYs começaram a se organizar e levantar fundos, liderados pelo projeto de caridade formado por fãs One in an ARMY. Naquela tarde, a hashtag #MatchAMilion (Igualar O Milhão) estava entre os assuntos mais comentados no Twitter, e no final do dia centenas de milhares de fãs já haviam feito suas doações. Na manhã de segunda-feira (8), os ARMYs ultrapassaram o valor da doação feita pelo BTS em cerca de 200 mil dólares.

Uma semana antes, fãs interceptaram hashtags racistas, incluindo #WhiteLivesMatter (Vidas Brancas Importam) e #AllLivesMatter (Todas as Vidas Importam), usando um fluxo aparentemente infinito de fancams dos seus idols preferidos para dispersar o discurso racista nessas hashtags. Isso começou a partir da iniciativa muito bem-sucedida dos ARMYs de sobrecarregarem o aplicativo iWatch Dallas depois que o Departamento de Polícia da cidade convidou, via Twitter, os cidadãos a compartilharem vídeos de “ações ilegais dos protestos”. A página inicial do aplicativo foi, então, tomada por avaliações de 1 estrela, acompanhadas das hashtags do Black Lives Matter. Logo depois, os ARMYs derrubaram o aplicativo.

Organizar, mobilizar e levantar fundos dentro da comunidade K-pop — especialmente entre os ARMYs — não é algo novo. Na verdade, isso se tornou natural para diversos fandoms nas últimas décadas, mas foi apenas nas últimas semanas que esse fenômeno recebeu a atenção e cobertura que merece. (Muito provavelmente em razão da magnitude dos esforços dos ARMYs. Eles levantaram 1.7 milhões de dólares para caridade e causas sociais em 2020, em comparação aos 250 mil dólares do ano anterior, de acordo com um comunicado oficial para a imprensa).

O fato de que coletivos de fãs podem ser tão essenciais no ativismo online não é uma surpresa. O esforço necessário para fazer com que um MV quebre o recorde de vídeo mais visto do YouTube em 24 horas, como os fãs do BTS fizeram com “Boy With Luv”, não é diferente da tática aplicada para quebrar o recorde de maior quantia doada por uma celebridade. Os valores inerentes em fandoms vêm se tornando cada vez mais a base para a ação política, já que o funcionamento dos fandoms mudou significativamente desde o seu começo histérico, beatlemaníaco. Hoje, fãs têm poder suficiente para não apenas ficar ao lado de seus ídolos — resultado de várias mudanças históricas e tecnológicas —, mas até guiá-los, incitando mudanças em uma postura participativa, de baixo para cima. Por pelo menos metade do século passado o ritmo de transformação do entusiasmo dos fãs em mobilização havia diminuído.

“É sempre difícil apontar quando qualquer coisa começa dentro de uma comunidade dispersa, popular,” diz Henry Jenkins, autor do revolucionário livro Textual Poachers, de 1992. Nós poderíamos, porém, aceitavelmente situar o começo do ativismo de fãs com os fãs de Star Trek na década de 60. Em Textual Poachers, Jenkins detalha como os fãs da série de TV transformaram sua paixão por Star Trek em uma campanha para persuadir a emissora NBC a salvar o show depois que a empresa ameaçou tirar o programa do ar em 1968. Os fãs carregaram tochas e cartazes pelas ruas de Burbank na Califórnia, e pararam na frente das portas da NBC. Seus esforços para salvar um programa de TV do cancelamento lembravam as manifestações de um movimento ativista. Olhando para as fotos em preto e branco desses fãs de Star Trek, você dificilmente será capaz de distinguir as imagens das fotos desbotadas de pessoas protestando por causas sociais.

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Tradicionalmente, o propósito do ativismo é desafiar hegemonias sistêmicas e estruturas corporativas; desde o começo, o ativismo de fãs funciona de maneira similar — até mesmo para fins não políticos. Enquanto a NBC apagava o programa da grade da emissora em 1969, os esforços mobilizadores dos fãs de Star Trek foram amplamente influenciadores, e provaram que o entusiasmo dos fãs poderia ser uma ferramenta em potencial para causar mudança, ainda que em primeira instância não tenha sido bem-sucedida.

Campanhas subsequentes para salvar programas de TV foram construídas a partir do modelo criado pelo fandom de Star Trek. Então, quando a internet chegou, “fãs se adiantaram em aceitar comunicação na rede porque, em efeito, eles já eram uma comunidade virtual de pessoas, que se aproximaram por causa de interesses em comum, sem relação com a localização geográfica,” escreve Jenkins. Como um espaço a-histórico sem limites geográficos, a internet possibilitou aos fãs a construção de um universo próprio. Nos anos 90, fóruns e fandoms floresceram. Fãs de beisebol fizeram amigos no site baseball-fever.com; fãs do Weezer (ou Weezer Boarders, como eles são chamados), encontraram os seus em salas de bate-papo do site AOL. Com o crescimento da internet, a globalização e as mudanças tecnológicas que eles trouxeram, hierarquias foram desafiadas e burocracias foram descentralizadas. Nesse ponto, fãs se tornaram capazes de se organizar com massa e força suficiente para demandar a atenção dos ‘guardiões culturais’. Eles estavam usando a internet “como um veículo coletivo para solução de problemas, deliberação pública e criatividade popular” Jenkins escreveu no livro Convergence Culture de 2006. Como resultado, fãs começaram a ditar e co-criar e dar conselhos a produtores de TV. Um caso famoso foi o de Xena: A Princesa Guerreira. Perto do fim da primeira temporada do programa, uma ponte foi feita entre os produtores e os fãs da série, em sua maioria LGBTQ+. Em 1995 foi contratada Liz Friedman, uma produtora lésbica, que apontou para o resto do time o fandom online que crescia rapidamente, e cuja maioria compartilhava na internet suas próprias fanfics sobre o programa. Assim que os produtores perceberam o quão significante era o papel que lésbicas tinham no fandom de Xena, a direção do programa mudou e, subsequentemente, se tornou muito mais gay.

A ascendência de fandoms audaciosos e participativos veio junto a ascendência de uma comunidade participativa na internet, fenômeno conhecido como Web 2.0. Ao invés de ser sustentada por uma série de usuários que consomem conteúdo pacificamente, essa nova fase da internet permitiu o aumento de conteúdos e designs criados por usuários. Sites de fãs foram feitos, e fandoms se tornaram, no geral, muito mais organizados. “No começo dos anos 2000, começamos a ver o surgimento de movimentos, como o Harry Potter Alliance, que direcionava especificamente a infraestrutura do fandom para movimentos de mudança social, nesse caso, principalmente para questões de direitos humanos,” escreve Jenkins. Criado em 2005, o Harry Potter Alliance teve mais de 100 mil membros no seu auge. Muito parecido com os ARMYs hoje, seus membros eram encorajados a apoiar diversas causas: o objetivo do Alliance era educar “jovens apoiadores sobre questões como comércio justo e salários justos, através de analogias do mundo fantástico de Rowling,” diz Jenkins. Andrew Slack, co-fundador do Alliance, habilmente usou o mundo de Hogwarts como incentivo para fãs de Harry Potter incitarem mudanças sociais no mundo real. Em 2010, eles levantaram mais de 123 mil dólares em doações para o Haiti após o terremoto.

Dois anos depois que o Harry Potter Alliance foi formado, o site que abrigou o ponto de fusão entre os fandoms e o ativismo emergiu: o Tumblr. Em retrospecto, está claro que o Tumblr teve um grande papel em trazer fandoms marginalizados (e seus problemas) para o centro das atenções. Usuários que vinham de um contexto marginalizado eram capazes de usar posts com tags para criar uma forte rede de influência, tanto dentro quanto fora de seus próprios fandoms. Eles com frequência desafiavam a narrativa dominante das coisas que escolheram gostar, enquanto refletiam a si mesmos (pessoas LGBTQ+, pessoas racializadas, etc) como papéis centrais nessas obras.

Fãs LGBTQ+ de One Direction, por exemplo, que não se sentiam reconhecidos pelos garotos pop que amavam, procuraram mudar isso organizando esforços, atitude que começou no Tumblr. Em 2013, uma fã chamada Li lançou o Rainbow Direction, uma iniciativa cujo foco era não apenas criar um espaço seguro, acolhedor nos shows do One Direction, mas também prover recursos educacionais para jovens fãs que estivessem começando a descobrir suas sexualidades. Conforme a campanha cresceu, mais e mais fãs apareceram nos shows equipados com bandeiras do arco-íris, que eles balançavam no ar, até os meninos acenarem de volta para eles.

Em última instância, o Tumblr ajudou os fandoms a saírem de uma perspectiva branca, cisheteronormativa. Nicole Hills, que lidera o Black TARDIS — um blog para fãs racializados de Doctor Who discutirem o programa a partir de uma perspectiva LGBTQ+, feminina e racializada — também achou pela primeira vez outros fãs com que pode se identificar no Tumblr. “Isso me permitiu procurar e encontrar minha própria comunidade dentro do fandom de Doctor Who, do qual eu me sentia excluída,” ela diz. “O Tumblr criou uma curiosidade criativa e intelectual ao redor da mídia que consumíamos, e ajudou a legitimar ou normalizar a construção de uma comunidade ao redor do amor compartilhado por histórias e pessoas fictícias.” Fora do Tumblr, no entanto, Hill sentiu uma divisão na comunidade Whovian. “Eu recebi algumas mensagens muito fortes, como uma pessoa negra entrando no fandom, de que aquele não era um espaço para mim ou para a minha opinião,” ela diz. “Os Whovians discordam muito, mas a opinião de certos fãs (em sua maioria homens brancos de meia idade) tendem a ter mais peso que outras, e por isso se tornam consenso geral.”

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Black Girls Create, um pólo interseccional para criadores negros e fandoms críticos, também tentaram combater isso advogando para o aumento da representação de mulheres negras na mídia. “Eu acho que a maior divisão que podemos ver entre os Whovians é o argumento dos ‘verdadeiros fãs’, o que isso significa e a quem essa série pertence,” diz um porta-voz do site para o The Ringer. “A opinião de ninguém sobre esse programa é mais valiosa que as outras, mas ao mesmo tempo, fãs racializados de Doctor Who não vão deixar suas perspectivas serem silenciadas ou sua humanidade ser ignorada.”

No meio dos protestos por todo os Estados Unidos depois do assassinato de George Floyd, a Teen Vogue publicou um editorial sobre o comportamento anti-negro entre os ARMYs. Os fãs e o próprio grupo tentaram corrigir isso policiando qualquer pessoa no fandom que apresentasse esse tipo de comportamento, enquanto lidavam com contradições dentro da comunidade. Espera-se que Whovians brancos copiem logo a atitude dos ARMYs. Conforme as redes sociais evoluíram, e os fãs evoluíram junto, os ARMYs são o maior sucesso de ativismo entre fãs até agora. Nicole Santero, uma estudante de PhD que administra o Research BTS — um projeto secundário que visa contar uma história mais ampla sobre o BTS e o impacto global do fandom através de diferentes tipos de dados, análises e percepções — resumiu as maneiras com quais os ARMYs, em particular, são tão bem organizados. “Eles têm um conjunto de sistemas e estruturas que os tornam eficientes e eficazes em se mobilizar,” ela diz. “E graças ao processo que já existe, novos fãs são ensinados pelos outros e aprendem rapidamente a como navegar seu próprio caminho dentro do fandom.”

Não importa a idade do ARMY, cada membro pode descobrir intuitivamente como eles podem contribuir para os objetivos gerais do fandom. Fãs ao redor do globo, que vêm de contextos amplamente diferentes, são encorajados a serem o mais engajados possível, e a participar nos projetos e campanhas dos fãs. E, ainda que o grupo cante e fale majoritariamente em coreano, os fãs se responsabilizam por promover e traduzir os materiais, “permitindo que a música e a mensagem do BTS a cruzar fronteiras e conectar com pessoas ao redor do mundo de um jeito que nunca vimos antes,” diz Santero.

Sustentados pelos avanços dos fandoms nas últimas décadas — diversidade, empoderamento, co-criação e participação — o fandom ARMY é formado por advogados, acadêmicos, tutores acadêmicos, designers gráficos, autores, artistas, profissionais do marketing e adolescentes que estão sempre online, todos contribuindo para a estrutura organizacional do fandom. Como resultado, os ARMYs estão em pé de igualdade com o BTS, ou talvez até mesmo os ultrapassem, em termos de trazer atenção para causas de caridade (a doação dos ARMYs comparada com a do grupo sugere a segunda opção).

“Os fandoms vão continuar a transformar diferentes aspectos da sociedade, mas nenhum mostrou que pode potencialmente influenciar o mundo tanto quanto os ARMYs podem,” diz Santero. Agora que fanatismo e ativismo caminham de mãos dadas ao redor do mundo, lutas por mudança social estão sendo filtradas pela cultura popular e pelo vocabulário popular, a medida que eles oferecem vislumbres do mundo que poderíamos ter. “Nesse ponto, ativistas estão usando imagens, linguagem e práticas de fandoms quer eles vejam a si mesmos como fãs ou não,” diz Jenkins.

Enquanto há certamente um impulso das pessoas de rir e pensar que isso não é nada mais que uma “energia nerd louca”, sistemas só podem ser desafiados e mudados através de pressão pública constante — coisa com as quais esses fandoms estão mais acostumados que a maioria. Coletivos enormes de fãs como os ARMYs são construídos sob tendências ativistas, as quais, quando engajadas, os fazem efetivos criadores de mudança. Como esse evento em particular mostrou, a paixão de ser um fã — no meio de um mar de outros fãs ultra-apaixonados — pode ser facilmente transformada em força para lutar por questões sociopolíticas. Fandoms vão cada vez mais influenciar aspectos da sociedade conforme eles são empurrados para o centro cultural. Seria um erro subestimar seu poder.

Fonte: The Ringer
Tradução por Maz Ferreira @ BTSBR

Artigos | por em 22/09/2020
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