O otimismo sem fronteiras do BTS

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O otimismo sem fronteiras do BTS

É a manhã do Chuseok, um festival de colheita coreano similar ao dia de Ação de Graças norte americano; normalmente os integrantes do BTS estariam passando o feriado com suas famílias, comendo tteokguk, que é uma sopa tradicional de bolinho de arroz. Ao invés disso, os sete estão trabalhando. Praticando. Aperfeiçoando suas coreografias. Em alguns dias, o maior ato musical do mundo irá apresentar uma live que, por enquanto, irá substituir a gigantesca turnê que eles passaram o primeiro semestre deste ano inteiro ensaiando. Nesse momento, eles estão sentados dentro das instalações da Big Hit Entertainment em Seul, a residência que eles construíram, vestidos — em sua maioria — com roupas pretas e brancas, prontos para responder minhas perguntas. Eles são gentis.

Antes que eu termine de falar com eles, o grupo terá duas músicas dentro da Billboard Hot 100, no primeiro e segundo lugar, esse feito foi alcançado pouquíssimas vezes durante os sessenta anos de existência do chart. O mais novo álbum do septeto, BE, será lançado daqui a algumas semanas, e as especulações sobre o CD, a tracklist e suas mensagens estão correndo a todo vapor pela internet. O BTS é, junto de todos os sinônimos da palavra, gigantesco.

Existe algo sobre dominação mundial completa que realmente ajuda a consolidar uma amizade. O que mais se destaca para mim enquanto converso com o septeto é como eles se sentem confortáveis uns com os outros. Tensão sempre tem sua forma de se tornar evidente — mesmo através de uma vídeo chamada no Zoom, mesmo através de um tradutor. E não havia o que encontrar ali. Eles estavam relaxados em um nível familiar. Relaxando com os braços nos ombros uns dos outros, puxando as mangas das camisas, arrumando colarinhos. Quando eles falam uns dos outros, é com gentileza.

“Jimin possui uma paixão particular pelo palco e realmente pensa sobre o desempenho, e, nesse sentido, existem várias coisas para aprender com ele,” afirma J-Hope. “Apesar de todas as coisas que já alcançou, ele ainda tenta o seu melhor e trás algo novo para pauta, e eu realmente gostaria de aplaudi-lo por isso.”

“Obrigado por dizer todas essas coisas de mim,” responde Jimin.

Jimin volta sua atenção para V, explicando que ele é “amado por tantas pessoas” e descrevendo ele como um de seus melhores amigos. SUGA entra na conversa, afirmando que Jimin e V são a dupla que mais briga entre os sete. “Faz três anos que nós não brigamos!” V responde. Eles me dizem que a distinção agora pertence à Jin e JungKook, o mais velho e o mais novo. “Tudo começa com uma brincadeira, mas aí fica sério,” diz Jimin.

Jin concorda e conta que as discussões entre eles soam como. “Por que você me bateu tão forte?” Ele diz, logo antes de encenar a resposta de JungKook: “Eu nem te bati tão forte assim.” E então eles começam a se bater. Mas não tão forte assim.

Desde o começo da sua carreira, o BTS tem demonstrado uma certa confiança em suas estéticas, apresentações, e seus vídeos. Está explícito em seu nome: BTS é a abreviação de “Bangtan Sonyeondan,” que em português significa “garotos à prova de bala,” mas quando a popularidade do grupo com os mercados estrangeiros cresceu, ocorreu uma adaptação do significado, sendo alterado para “Beyond the Scene,” ou “Além da Cena” em português, a mudança foi descrita pela Big Hit como “A simbolização dos jovens que não se conformam com sua realidade atual e, ao invés disso, abrem a porta e seguem em frente para alcançar o crescimento.” E a afeição que os integrantes sentem uns pelos outros, sua vulnerabilidade e a abertura emocional em suas letras, parece-me mais masculino e adulto do que tudo o que garotos americanos tão freneticamente se obrigam a fazer. Se parece com o futuro.

“Existe essa cultura onde masculinidade é definida por certas emoções, características. Eu não sou a favor dessas afirmações,” SUGA diz para mim. “O que ser masculino significa? As condições pessoais de alguém variam diariamente. Às vezes você está bem; às vezes não. Baseado nisso, você tem ideia de como está sua saúde física. E a mesma coisa se aplica mentalmente. Alguns dias você está em bom estado; em outros, não. Muitos fingem estar bem, dizendo que não são ‘fracos,’ como se isso te fizesse uma pessoa incapaz. Eu não acho que isso esteja certo. As pessoas não te chamam de fraco se sua condição física não está das melhores. Deveria ser da mesma forma quando o assunto é condição mental. A sociedade deveria ser mais compreensiva.”

Quando escutei essas palavras em outubro de 2020, na minha casa, em um país onde o líder está ativamente tentando convencer as pessoas de que apenas os fracos morrem de COVID-19… Bom, também me soa como o futuro.

Se você está considerando conhecer o BTS, é natural que você se sinta sobrecarregado com a quantidade de conteúdos sobre eles. É como dizer, neste exato segundo, “vamos ver sobre o que é o Universo Marvel.” Na era dos streams, o BTS já vendeu mais de 20 milhões de cópias físicas entre 14 álbuns. Eles possuem ciclos conceituais através dos álbuns em série: The Most Beautiful Moment in Life, Love Yourself e Map of the Soul, que se estenderam através de múltiplos álbuns e EPs. Tem colaborações com grandes marcas, incluindo até um smartphone especial do BTS em parceria com a Samsung. Tem uma série de short films e MVs do chamado “BTS Universe”. Tem um universo de animação chamado BT21, onde os sete são representados por personagens que não possuem gênero. E os próprios ARMYs são um movimento cultural global.

“Dynamite,” o primeiro single do grupo inteiramente cantado na língua inglesa e seu primeiro #1 americano, é um pop puro, extasiante. Brilhante e alegre. O que difere o grupo de todos os seus colegas de indústria, e muitos dos artistas pop que alcançaram fama mundial antes deles, é o que veio antes. Por baixo de todo esse brilho e batidas animadas sempre houve um exame inflexível acerca da emoção humana. As letras do BTS buscam desafiar as condutas da sociedade — questionando-as e até denunciando. O primeiro single do BTS, “No More Dream,” revelado no showcase de debut em junho de 2013, expressa a intensa pressão que os alunos sul coreanos encaram para obter o sucesso. De acordo com SUGA, músicas com letras sobre saúde mental de jovens eram extremamente escassas na música pop coreana. “A razão que me fez começar a escrever música é porque eu cresci escutando letras que falam sobre sonhos, esperança, e problemas sociais,” ele me diz. “Simplesmente foi natural pra mim quando comecei a compor músicas.”

A ambição inicial de SUGA ao fazer música não envolvia fazer parte de um grupo. Quase uma década atrás, em Daegu, a quarta maior cidade sul coreana, o rapper começou a gravar faixas de rap underground, através do nome Gloss, escutando e aprendendo com trabalhos prévios do produtor e compositor Bang Si-hyuk, conhecido como Hitman Bang. Bang é o fundador e CEO da Big Hit Entertainment. Em 2010, SUGA, estudante do ensino médio, se mudou para Seul para trabalhar na Big Hit como produtor e rapper. Então Bang pediu para que ele se tornasse parte de um grupo, que visava ser um ato de hip-hop em conjunto dos outros novos recrutados pela empresa, RM e J-Hope. Os meninos chamam isso de “primeira temporada” do seu desenvolvimento.

“Na época, eu não acho que nossa empresa sabia exatamente o que fazer conosco,” fala RM. “Eles basicamente nos deixavam viver e nos forneciam algumas aulas, mas nós também relaxávamos e fazíamos músicas de vez em quando.”

Então ficou mais intenso. A família cresceu ocasionalmente, por acidente.

V acompanhou um amigo para um recrutamento da Big Hit em Daegu, apenas para dar apoio moral, e acabou sendo a pessoa escolhida

JungKook foi contratado em meio a um frenesi de propostas que ocorreram logo após sua saída do show de talentos Superstar K, recebendo ofertas de diversas empresas de entretenimento antes de escolher a Big Hit, graças a boa impressão que RM lhe passou.

Jimin era um estudante de dança e representante de classe durante 9 anos seguidos na sua escola em Busan; ele fez a audição a mando de seu professor.

E então, Jin foi escolhido no meio da rua. “Eu só estava indo para a escola,” disse ele. “Alguém da empresa se aproximou de mim, tipo ‘Oh, essa é a primeira vez que eu vejo alguém com essa aparência.’ Ele sugeriu fazer uma entrevista comigo.”

“A segunda temporada foi quando nós oficialmente começamos o treinamento,” afirma J-Hope. “Nós começamos a dançar, e foi assim que eu posso dizer que nosso crescimento como um time começou.”

Escola durante o dia, treinos durante a noite. “Nós dormíamos durante as aulas,” diz V. “Eu dormia na sala de ensaios,” conta J-Hope.

Hitman Bang mantinha a pressão relativamente baixa. E ele encorajava os garotos a escrever e produzir suas próprias músicas, para serem honestos com as próprias emoções em suas letras. SUGA afirma que nenhum álbum do BTS estaria completo sem uma faixa que analise algum aspecto problemático da sociedade.

E ainda assim, em seu novo álbum, BE, eles estão colocando essa afirmação de lado. Isso é devido a um propósito ainda maior, relacionado ao bem estar mental. RM afirma: “Não acho que esse álbum terá alguma música que critique problemas sociais. Todo mundo está passando por tempos difíceis agora. Então não acredito que haverá qualquer faixa agressiva nesse sentido.”

Por mais que as novas regras estabelecidas por conta do coronavírus signifiquem que o BTS não poderá promover o BE, o fato é que seu primeiro single sequer teria sido lançado se não fosse a pandemia. “‘Dynamite’ não estaria aqui se o COVID-19 também não estivesse.” diz RM. “Com essa música, nós queríamos ir com calma, simples e positivamente. Não algo, tipo, com uma vibe profunda ou sombras. Só queríamos pegar leve.”

Jin concorda. “Nós estávamos tentando transmitir uma mensagem de melhora e conforto para nossos fãs.” Ele pausa. “Dominação mundial não era nosso plano quando estávamos lançando ‘Dynamite.’” Dominação mundial apenas acontece de vez em quando. Você sabe como é.

Map Of The Soul ON:E foi ao ar na plataforma online para fãs que o grupo possui, e atraiu quase um milhão de espectadores dentre 191 países. Os meninos afirmam que tentaram não pensar na enormidade. J-Hope acrescenta, “Eu me senti um pouco mais nervoso sabendo que era uma live. Na verdade, eu me sinto menos nervoso me apresentando ao vivo em um estádio.” Jin responde com um sorriso, “J-Hope, nascido para se apresentar em estádios.”

O layout gráfico do título coloca uma coluna entre o N no final e o E, o que faz com que seja Map Of The Soul ON:E, e enquanto eu assistia a live, do jeito que estou agora, no meu escritório às 03h da manhã. Com meus fones de ouvido e um bule com café fumegando. É uma explosão de cores, estilos e paixão, entre palcos gigantescos, desde a bravura estonteante de “Dionysus” até a introspecção emo-trap que é “Black Swan.” Não havia um passo, um gesto, ou até um fio de cabelo, que estivesse fora de lugar. Se havia nervosismo, não ficou evidente.

Também precisamos falar sobre o final da live, onde o grupo apresentou uma versão mais pessoal e intrínseca da faixa de 2017, “Spring Day,” que captura exatamente o diferencial que faz o BTS se destacar. Na superfície, é sobre o amor e a perda não específicas, sobre a nostalgia do passado. “Acredito que essa música realmente me representa,” afirma Jin. “Eu gosto de olhar para o passado e me perder nele.”

Na música ainda existe uma alusão inegável a um incidente específico na história recente da Coreia do Sul. “Spring Day” foi lançada apenas alguns anos após o Naufrágio do Sewol, um dos maiores desastres marítimos do país, onde uma balsa superlotada e mal inspecionada tombou enquanto fazia uma curva acentuada para a direita. Centenas de estudantes morreram afogados enquanto obedeciam as ordens que receberam para permanecerem sentados em suas cabines enquanto a balsa afundava. De acordo com relatos, o governo sul coreano tentou ativamente silenciar os artistas que falavam sobre o assunto, com o ministro coreano da educação banindo completamente as fitas amarelas em homenagem às vítimas da tragédia de serem colocadas nas escolas. Eu pergunto se a música é sobre um evento triste em específico, e Jin me conta, “É sobre um evento triste, como você disse, mas também é sobre a melancolia da saudade.” A música manteve o desastre vivo na mente dos coreanos e da imprensa, liderando de forma indireta o impeachment e a remoção do ex presidente Park Geun-hye.

Se uma balsa superlotada mantida de forma inadequada que afundou após uma curva imprudente para a direita parecer de alguma forma algum simbolismo para o país que o BTS está prestes a conquistar ainda mais, você não ouvirá deles. “Nós somos estrangeiros — Não conseguimos expressar o que realmente sentimos acerca dos Estados Unidos,” diz V. Mas as ações deles falam muito alto; após o assassinato de George Floyd e os protestos que se seguiram, o septeto fez a doação de 1 milhão de dólares para o movimento Black Lives Matter, ação essa que foi igualada pelos ARMYs.

Os ARMYs apresentam uma inversão fascinante na cultura dos fandoms: ao invés de fazer bullying com seus rivais como muitos fazem, os verdadeiros fãs do BTS colocam as mensagens positivas de seu grupo favorito em prática. O ativismo deles vai ainda mais fundo. Através de doações, eles ajudam a recuperar florestas, adotam baleias, financiam centenas de aulas de dança para jovens de Ruanda e arrecadam dinheiro para alimentar pessoas da comunidade LGBTQ+ refugiadas ao redor do mundo. Onde gerações passadas de fãs de artistas pop teriam enviado ursinhos de pelúcia ou cartas para os ídolos no aniversários deles, onde 5 anos atrás teriam subido alguma hashtag para conseguir visualizações no YouTube; para o aniversário de 26 anos de RM, um conjunto de ARMYs criou o projeto ‘Um em um Exército’ e arrecadaram mais de 20 mil dólares para auxiliar escolas noturnas digitais a melhorar o acesso à educação de crianças que moram em áreas rurais durante a crise de COVID-19. Os ARMYs até engajaram na conversa acerca da eleição presidencial estadunidense de 2020, quando centenas de milhares de ingressos para o Tulsa Trump foram adquiridos online em junho. A presença de pessoas no evento foi pateticamente baixa. Nenhuma pessoa ou entidade em particular reivindicou os créditos por essa façanha cômica, mas um vídeo insistindo para que os ARMYs confirmassem presença adquiriu centenas de milhares de visualizações. Nós não temos outra alternativa a não ser nos tornarmos stans desse fandom.

A relação é intensa. “Nós e nossos ARMYs estamos sempre recarregando a bateria uns dos outros,” afirma RM. “Quando nos sentimos exaustos, quando escutamos as notícias do mundo, os programas escolares, as doações, e cada pequena boa ação, nos sentimos responsáveis por tudo isso.” A música pode até ter inspirado as boas ações, mas são as boas ações que inspiram a música. “Temos que ser maiores; temos que ser melhores,” RM continua. “Todos esses comportamentos nos influenciam a ser pessoas melhores, acima de todas essas coisas de música e artistas.”

Ainda assim, para alguns ARMYs devotos, existem pessoas que olharam e viram o BTS. Jimmy Fallon, cujo programa — The Tonight Show — recebeu o grupo por uma semana inteira, foi uma dessas pessoas. “Geralmente quando um artista está em ascensão, eu ouço falar deles previamente. Com o BTS, eu sabia que eles eram grandes, e nunca havia escutado sobre eles antes.”

Aqui vai um pensamento que costumava ser engraçado para mim: haviam pessoas na audiência do The Ed Sullivan Show no dia 9 de fevereiro de 1964 que não estavam lá para ver os Beatles. Elvis estava no exército, Buddy Holly não estava mais entre nós e os três álbuns no topo das paradas meses antes do Meet the Beatles! eram um disco de comédia de Allan Sherman, a gravação original do elenco de West Side Story, e Soeur Sourire: The Singing Nun. Como a América havia deixado o rock ’n’ roll para trás no momento, com a cultura fragmentada e sem sentido, era incerto saber quem tomaria esse lugar. É possível imaginar que um jovem razoavelmente moderno e culturalmente consciente conseguiria um ingresso para o show daquela semana se acomodasse no lugar dele e dissesse “Façam um medley de músicas do espetáculo ‘Oliver!’ da Broadway, e músicas da sensação do banjo Tessie O’Shea.”

O primeiro instinto é rir dele, e é um bom instinto, porque, que besteira! E então você se torna aquele cara.

Às vezes é todo um universo junto do seu próprio, exalando cores que você é teimoso demais para ver, pulando com uma alegria que você pensa que é para outra pessoa, com uma batida que você pensou que não dançaria mais. O BTS é o maior ato do planeta atualmente. Ainda assim, o trabalho de apresentá-los a alguém novo, particularmente na América, parece que nunca foi feito. Talvez seja porque eles são adorados (em sua maioria) por meninas adolescentes, e nós vivemos em uma sociedade patriarcal o suficiente para esquecer que, às vezes, adolescentes também estão certos. Talvez seja a divisão cultural, em um momento em que nosso país não possui vergonha suficiente de sua própria xenofobia para ceder. Talvez seja a barreira do idioma… Como se nós conseguíssemos entender uma única palavra que o Michael Stipe havia cantado antes de 1989!

Qualquer que seja a razão, o resultado é que talvez você esteja perdendo a mudança de um paradigma e um momento histórico de grandiosidade no mundo pop.

Se os integrantes do BTS parecem levemente cuidadosos com as próprias palavras ao falar em público, é porque — talvez mais do que qualquer outro ato gigantesco do pop em toda a história — eles precisam ser. Pouco tempo depois do nosso segundo encontro, o BTS recebeu o prêmio Van Fleet, graças as suas contribuições indiscutíveis nos avanços entre a relação da Coreia com os Estados Unidos. No seu discurso de aceitação, RM disse, “Sempre lembraremos da história de dor que nossas duas nações compartilharam juntas, e os sacrifícios de incontáveis homens e mulheres,” sendo o mais diplomático e inofensivo que ele poderia ser em sua declaração. Mas porque ele não mencionou os soldados chineses que morreram na guerra coreana, algumas coisas não correram bem. O smartphone do BTS com a Samsung desapareceu de plataformas chinesas, FILA e Hyundai tiveram que conter anúncios chineses em que o grupo aparecia, junto de algumas outras reações da mídia e do público chinês. A pressão sob BTS não é pequena.

Mesmo sendo o grupo pop número um no mundo, mesmo com o trabalho duro realizado dia e noite, mesmo com dezenas de fãs redefinindo o conceito do que é ser fã ao, literalmente, ajudar a curar o planeta, tudo isso usando o nome do grupo, esses garotos ainda sofrem com a síndrome do impostor. RM explica, “Ouvi dizer que existe um complexo sobre máscaras. 70% das pessoas denominadas famosas possuem isso, mentalmente. É basicamente: existe essa máscara cobrindo meu rosto. E essas pessoas tem medo que alguém irá arrancar isso delas. Nós também temos esse medo. Mas eu disse 70%, então eu acho que seja bastante natural. As vezes é uma das condições que vem com o sucesso. Humanos são imperfeitos, nós temos essas falhas e defeitos. E uma forma de lidar com toda essa pressão e peso é admitindo que todos possuímos sombras.”

A música ajuda. “Quando escrevemos músicas e as letras delas, nós estudamos essas emoções, nós estamos cientes da situação, e nós nos identificamos emocionalmente,” diz J-Hope. “E é por isso que quando as músicas são lançadas, nós escutamos e também nos consolamos através delas. Acho que nossos fãs também sentem essas emoções, talvez até mais do que nós. E eu acredito que nós somos influências positivas uns para os outros.”

Se tem algo que eles estão sacrificando, além de tempo livre e a habilidade de falar livremente sem receber um comunicado oficial de algum ministro estrangeiro, é a vida amorosa. Eu pergunto sobre relacionamentos, faço perguntas como “vocês estão em algum?” e “vocês tem tempo?,” “vocês podem?” e a resposta para todas elas é bastante clara: “Não.” “A coisa mais importante para nós é dormir,” JungKook insiste. SUGA prossegue logo depois “Você consegue ver minhas olheiras?” Eu não consigo, já que elas não estão lá, a pele perfeita se destaca até mesmo através de uma videochamada no Zoom e com um oceano entre nós.

Então não, eles não estão envolvidos amorosamente com ninguém. Mas se existe uma ligação forte que guiou-os até a maturidade foi a relação deles com a Big Hit. “Nossa empresa começou com vinte ou trinta pessoas, mas agora temos uma companhia com diversos contratados,” fala RM. “Temos nossos fãs e nossa música. Então nós somos responsáveis por muita coisa, coisas que temos que cuidar.” Ele pensa sobre o assunto por um momento. “Acho que isso é o que é ser adulto.”

“Nossa vida amorosa — 24 horas por dia, 7 dias por semana — é com os ARMYs ao redor do mundo,” RM complementa.

Em um mundo que está determinado a afundar qualquer coisa que não seja reconhecida imediatamente pelo fã padrão da música pop, quando falamos sobre te deixar familiarizado com a cultura coreana, talvez o BTS não segure na sua mão. Enquanto a primeira música que eles apresentaram no Tonight Show foi uma animada e previsível “Dynamite,” eles brincaram com as próprias chances ao escolher a segunda música.

Um amigo meu, um fã de 33 anos do BTS que mora em Los Angeles, me contou, “A segunda música que eles apresentaram foi ‘IDOL,’ ” do álbum de 2018, Love Yourself 結 ‘Answer’, “E então comemoraram a identidade coreana deles. O grupo se apresentou direto do Palácio Gyeongbokgung em Seul. Eles estavam usando roupas inspiradas nos hanboks coreanos tradicionais; era quase inteiramente em coreano, então achei bastante subversivo. Como fã, eu li isso como: ‘Dynamite’ foi apenas um convite, isso é quem nós somos e essa é a nossa casa.”

“Eu estava um pouco preocupado que talvez as pessoas não entendessem,” Afirma Fallon. “Eu estava tipo, ‘Não tem nada em inglês aqui.’ Mas o que você vê é o poder puro de uma estrela. Puro talento. Imediatamente eu pensei, ‘Oh, é isto.’ Se você é poderoso a esse ponto, transcende a linguagem.”

A música popular americana do século 21 está mais fragmentada do que esteve desde… Bom, desde que Allan Sherman, Leonard Bernstein, Stephen Sondheim, e The Singing Nun batalharam pelo primeiro lugar. A monocultura que os Beatles trouxeram já deu seu último suspiro. Cada um de nós é o programador da sua própria estação de rádio, deixando nossos antigos hábitos no passado e consumindo os algoritmos que o mundo streaming nos serve de mais próximo do que queremos. O que é bom, exceto quando grandes momentos passam rapidamente por um ouvido e saem pelo outro. Cada um de nós, por mais que sejamos mais ligados do que nossos pais eram quando tinham nossa idade, também podemos perder momentos cruciais que podem definir uma era. Particularmente, se o rádio é o nosso ‘Descobertas da Semana’ no Spotify, ou o canal Pandora baseado nessas camisetas de banda que nós vestíamos na faculdade, nós podemos deixar um momento escapar se o horário nobre da TV for passado em meio a uma maratona na Netflix e a hora do The Tonight Show for gasta em só mais um episódio antes de dormir. Mas não deveríamos. “Honestamente, eu acredito que o que estamos vivendo através do BTS é história,” diz Fallon. “É a maior banda que eu já vi desde que comecei o Late Night, definitivamente.”

Existe também um pequeno detalhe que, diferente dos Beatles e de literalmente qualquer outra sensação mundial que explodiu na América, o BTS não precisa, particularmente, se dar o trabalho. Eles são gigantescos no mundo inteiro. Graças à IPO da Big Hit, da qual os sete integrantes participam, todos eles estão incrivelmente ricos. (Hitman Bang é o primeiro magnata no meio do entretenimento sul coreano a se tornar bilionário.) O que é uma cultura em declínio para um ato pop que está em ascensão? “Quando eu sonhava em me tornar um artista, eu escutava música pop e assistia todas as premiações estadunidenses. Ser bem sucedido e ser um sucesso nos Estados Unidos é, claro, uma honra como artista,” afirma SUGA. “Eu me sinto muito orgulhoso disso.”

Бесконечный оптимизм BTS | ВКонтакте

Eles estão explodindo em um país que os idolatra na mesma proporção que falha em notá-los. Então eles sentem que são respeitados o suficiente na América? “Como nós podemos ganhar o respeito de todo mundo?” Jin pergunta. “Acredito que receber o respeito de quem nos apoia é o suficiente para nós. É parecido com todo e qualquer outro lugar no mundo. Você nem sempre vai gostar de todo mundo, e eu acho que ser respeitado por quem realmente te ama é o suficiente.”

SUGA concorda. “Você não vai ficar confortável para sempre, e eu acredito que tudo isso faz parte da vida. Honestamente, nós não estamos acostumados a receber um certo respeito desde o começo. Mas acho que isso muda com o tempo, tanto nos EUA quanto em outras partes do mundo, enquanto nós fazemos nossa parte cada vez mais.”

Isso é, sem dúvidas, um colossal e inegável sinal de respeito para com um músico: um Grammy. Um álbum deles já recebeu uma indicação, para Best Recording Package. Mas ainda assim, esse foi um preparativo para o ano seguinte. RM afirma: “Nós gostaríamos de ser indicados e possivelmente ganhar.” Arrastar o arcaico, intolerante, focado apenas no ocidente, Grammys, para o maravilhoso mundo global atual através de pura força de vontade, talento e trabalho duro? Coisas estranhas aconteceram. “Acho que o Grammys é o último nível. A última fase da jornada americana.” Ele diz com um sorriso, “Então, é, veremos”

O selo de aprovação da Recording Academy é algo grande. Mas o BTS já conquistou o mundo, enganou os tiranos, inspirou milhares de indivíduos a realizarem atos pequenos e importantes de ativismo que coletivamente estão salvando o planeta, desafiam a masculinidade tóxica ao se permitirem ser vulneráveis, e, no meio do caminho, se tornaram multimilionários e viraram titãs internacionais. Se o Grammy enxerga tudo isso ou não é tão importante quanto o que alguém na audiência do programa de Ed Sullivan esperava ver naquela noite em 1964. O BTS já ganhou.

Fonte: Esquire

Artigos | por em 09/12/2020
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