A marginalização do sucesso do BTS: a regra do ‘separado, mas igual’ das premiações norte-americanas

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A marginalização do sucesso do BTS: a regra do ‘separado, mas igual’ das premiações norte-americanas

Enquanto artistas brancos norte-americanos são indicados às principais categorias nas premiações, artistas negros e asiáticos de popularidade sem precedentes são relegados a categorias específicas como “urban” e “K-Pop”. 

A rapper Missy Elliott se referiu ao MTV Video Music Awards como “a premiação das pessoas brancas” em uma conversa durantes os bastidores de sua capa para a revista New Yorker em 1997, falando sobre seu próprio nervosismo em se apresentar no palco da premiação naquele mesmo ano. Mas o sentimento ainda perdura mesmo duas décadas após o fato: em apresentações com apropriação cultural, com Nicki Minaj chamando atenção quanto a desigualdade racial dos artistas indicados aos prêmios, e pelo fato de que “Formation” de Beyoncé foi a primeira vitória de um artista negro na categoria Best Pop Video. 

As palavras de Missy Elliott estão novamente ecoando graças ao anúncio dos indicados ao VMAs 2019, onde a MTV compartilhou uma nova categoria: Best K-pop. Os indicados incluem os grupos BTS, BLACKPINK, Monsta X, TXT e EXO. 

À primeira vista a nova categoria pode até parecer positiva, mas para além da “boa intenção”, a criação de uma categoria específica para o K-Pop traz nuance de velhos hábitos que precisam ser questionados. Tal atitude da MTV reforça a tendência em premiações ocidentais que “celebram” artistas não-ocidentais, que não possuem o inglês como língua materna e que não são brancos, separando-os em nichos específicos, distanciando-os dos outros artistas. 

Mas a música pop está mudando. 

O BTS é atualmente o maior grupo do mundo, dominando os charts musicais e esgotando estádios ao redor do globo. Eles são o primeiro grupo desde os Beatles a colocar três álbuns no primeiro lugar da Billboard 200 em menos de um ano, além de ser deles o vídeo que alcançou mais rápido a marca de 100 milhões de visualizações no YouTube. Esse vídeo é o mais recente single do grupo, “Boy With Luv”, que contabiliza mais de 472 milhões de visualizações desde de sua estréia em abril. Números que correspondem quase a população dos EUA, Canadá e México combinadas.

[TRAD] Sim, ainda estamos contabilizando os números, mas podemos confirmar que #BoyWithLuv é agora *oficialmente* o vídeo mais assistido nas primeiras 24 horas da história do @YouTube!! Parabéns @bts_bighit Aproveitem o @nbcsnl hoje a noite!

Mesmo quebrando recordes sem parar, os estereótipos são outra história. Mês passado, durante um programa de cultura pop da rede de televisão australiana Nine Network, o comediante britânico Jimmy Carr disse: “Quando fiquei sabendo que algo coreano tinha explodido na América, eu fiquei preocupado.” Meses antes, um apresentador de televisão grego, juntamente com os convidados do programa fizeram piadas com a aparência física dos integrantes, questionando a masculinidade do grupo. 

“Eles não se encaixam nos padrões tradicionais dos artistas pop ocidentais, atacando a crença das pessoas do que pode ser um sucesso, do que pode ser popular.” disse o escritor do blog Angry Asian Man, Phil Yu. “Adicione ainda uma grande dose de xenofobia e ocidentalização. Assim você pode ir atrás do estilo deles, do fato deles cantarem em coreano, e elaborar o quando eles não combinam com o que parece ‘masculino’”. 

E a mais recente controvérsia é exatamente a criação da nova categoria “K-Pop” para o VMAs deste ano.

[TRAD] ✨ Eeeeeeeeee os indicados ao #VMA de Best K-Pop são… ✨

“Esse grupo de indicados refletem perfeitamente a rica variedade da música pop,” pronunciou Bruce Gillmer, diretor da Viacom e vice-diretor da MTV Internacional.

Além da indicação dentro da nova categoria, Best K-Pop, o BTS foi indicado em outras três categorias: Melhor Colaboração, Melhor Direção de Arte e Melhor Coreografia. Mas tendo em vista a popularidade do grupo, fãs questionaram a necessidade de separar o BTS e outros grupos sul-coreanos das categorias principais como Best Pop e Artista do Ano. 

O sentimento se espalhou pelas redes sociais, levando aos ARMYs a subirem as hashtags #VMAsXenofobico e #VMAsRacista. 

A categoria “K-Pop” mantêm o BTS “preso naquela caixa, impedindo que eles tenham um assento à mesa principal,” disse Mona Mohamed, uma fã de 25 anos de Decatur, Georgia. “Imagine se os integrantes do BTS fossem todos brancos, um grupo que canta e fala em inglês… Nós temos outros grupo, como o One Direction, que prova dos privilégios que os brancos gozam na indústria e mídia.” 

A marginalização de artistas não-brancos em categorias de nicho, como já visto, não é algo novo na indústria musical norte-americana. “Quando você pensa em música pop, você automaticamente imagina um artista branco,” disse Youngdae Kim, que já deu aulas sobre música pop na Universidade de Washington e na faculdade Lewis & Clark.

Isso é historicamente verdadeiro para artistas negros e latinos, subjugados à margem, de maneira separada porém igual em categorias como o “urban”. Esse também foi o caso do hit de 2017 “Despacito”, que dominou as categorias latinas. No Twitter, fãs apontaram que não há categorias específicas para o cantor e compositor canadense Shawn Mendes ou o grupo australiano 5 Seconds of Summer, indicados respectivamente a Artista do Ano e Best Pop. 

“Estou meio que feliz que o VMAs finalmente está reconhecendo a presença do K-Pop e criando uma categoria individual como parte da premiação,” revelou Kim, que está em seus quarenta anos e cresceu ouvindo Michael Jackson, Madonna e Prince na Coreia do Sul. “É uma solução segura para eles, celebrar a popularidade de artistas coreanos, mas sem incluí-los como parte do pop mainstream.” 

Essa falta de aceitação é o que alguns fãs do BTS mais criticam online. Roma Barade, uma garota de 17 anos cursando seu último ano do ensino médio em New Jersey, disse que seus colegas e conhecidos a questionam e tiram sarro dela por ser fã de um grupo de meninos que “parecem meninas”.

“Nós somos deixados de lado nos EUA, e especialmente agora, racialmente, não estamos em uma boa época,” diz Barete, que é américo-indiana. “É tão normatizado agir de maneira racista com asiáticos, dizendo que todos parecem iguais, que os homens parecem mulheres. É dito como uma piada.” 

Barete, para fugir de tal cenário, procura apoio em outros fãs do BTS. Ela é a administradora de um grupo de fãs de Nova Jersey, que começou em maio deste ano e já conta com mais de mil e duzentos integrantes. “A última vez que um artista coreano foi mundialmente popular, foi com Psy e as pessoas faziam piada de ‘Gangnam Style’. Era como uma piada generalizada,” relata Barete sobre o sucesso viral do single de 2012.

“O BTS definitivamente se destaca. Eles são muito teatrais, eles colocam histórias em suas músicas. Não é apenas histórias sobre amor e corações partidos; eles falam sobre saúde mental, como os jovens são tratados na sociedade e como as vozes deles importam. Eles tentam empoderar as novas gerações e conscientizam sobre o amor próprio, a aceitar quem somos e como não apenas ser confinado pela sociedade.”

A habilidade do BTS em transmitir mensagens relevantes atraiu Qriztine de los Santos, das Filipinas, que sofre com a depressão e relata como o trabalho do grupo a ajudou a superar desejos autodestrutivos. 

“O BTS pode não me conhecer, mas eles me entendem,” disse ela, que tem 27 anos. “As músicas deles me acalmam. Eu não preciso memorizar toda a tradução da música, desde que eu saiba a mensagem que ela carrega.” 

Apesar da resistência da maioria, artistas como o BTS e seus fãs continuam pressionando para serem incluídos. O rapper country Lil Nas X, dono do hit “Old Town Road” que tem dominados as rádios dos EUA este ano, também teve problemas em ser aceito em seu gênero musical, o country. Em março, a música foi excluída dos charts de country, mas foi deixada no chart de músicas R&B/Hip Hop.

Em seu último lançamento, Lil Nas X se juntou ao líder do BTS, RM, em uma colaboração feita para questionar e romper as barreiras. “Seoul Town Road (Old Town Road Remix)” é o mais recente remix da música que já é o hit do ano, e promete quebrar recordes significativos nas próximas semanas. 

“Sim, não é algo que você está acostumado. Sim, eles são diferentes. Mas apenas dê uma chance antes de julgá-los, e você vai entender o motivo deles serem tão famosos, porque eles conquistaram tanto e a razão deles terem uma fanbase tão devota,” disse Imelda Ibarra, 29 anos de Los Angeles e administradora responsável pelo US BTS ARMY, que tem mais de meio milhão de seguidores no Twitter. “Nós somos um fandom muito diverso, e através do BTS nós todos percebemos que não estamos sozinhos.”

Fonte: Washington Post e Teen Vogue (adaptados)

Artigos | por em 30/07/2019
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