O BTS não irá curar minha depressão, mas me ajuda a enfrentá-la

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O BTS não irá curar minha depressão, mas me ajuda a enfrentá-la

AVISO DE GATILHO! Este texto contém menções sobre distúrbios psicológicos, mutilação, entre outros.

Eram quase 4 da manhã e eu me vi em estado de pânico. Dois dias antes, meu avô faleceu. Ele sempre foi meu melhor amigo, quem mais torcia por mim, e perdê-lo me levou ao extremo. A automutilação nunca foi um mecanismo que usei para lidar com a minha depressão, mas por alguma razão, naquela noite, o desejo era terrivelmente forte. Eu precisava de uma distração. Rápido.

Música, tinha que ser música. Cliquei na página inicial do YouTube e, nas minhas recomendações estava “I Need U” do BTS. Eu já era fã de K-Pop, mas essa foi uma experiência totalmente diferente. Tanto a música quanto o vídeo incorporaram a sensação paralisante de estar no seu pior momento. Quando ouvi versos como: “O céu está tão azul, o sol é tão brilhante, então você pode ver minhas lágrimas claramente”, eu senti que eles me compreendiam sobre como é sentir-se derrotado. Esses sete estranhos estavam cantando sobre algo que eu estava passando, e embora o que todos nós estávamos sentindo fosse ruim, eu fiquei tranquila porque eu não era a única pessoa que se sentia assim.

O simbolismo visual presente no vídeo, incluindo Jungkook tendo um episódio de dissociação em público, Jimin afundando em uma banheira e Hoseok jogando seus medicamentos na pia do banheiro e em uma fogueira, foram igualmente tristes, mas também me fez sentir menos sozinha. A maioria dos grupos de K-Pop que eu estava ouvindo na época apresentavam conceitos otimistas e felizes, então havia algo de reconfortante em ver esse tipo de vulnerabilidade. E o fato de que eles estavam fazendo música sobre experiências que eu compartilhava – e que vinham me fazendo sentir alienada, de fora por anos – despertou uma curiosidade sobre quem eram esses sete garotos, como artistas e, acima de tudo, seres humanos.

 

“Eu sabia que algo estava errado desde que eu era criança”

Eu soube que não estava psicologicamente bem aos 11 anos, quando me trancar no meu quarto por tristeza se tornou minha rotina. Eu tive dificuldade em socializar – parecia uma atuação, algo tão simples quanto manter uma simples conversa me deixaria totalmente esgotada. Eu me perguntava regularmente: “Por que não posso ser feliz?”, “O que há de errado comigo?” As crianças praticavam bullying comigo por não conseguir brincar da mesma forma que eles ou pelo meu hábito de puxar minhas sobrancelhas devido à ansiedade. Sentir dor e não ter ideia da razão é horrível, e quando você é criança, nada é mais confuso do que não entender por que dói ser apenas você.

Ainda hoje, eu tenho dificuldade em lidar com interações sociais. Às vezes eu desassocio. Minha mente se cala, e de repente, não consigo participar ativamente de uma conversa. As pessoas muitas vezes interpretam mal, como grosseria, mas a verdade é que estou apenas tentando manter controle o suficiente para organizar meu cérebro e não perder o foco completamente. Minha depressão fez com que eu me tornasse a minha pior crítica agora que sou adulta. Quando criança, eu lidei com isso, cutucando minha pele ou puxando meu cabelo, mas agora minhas alternativas são outras. Eu estou sempre fazendo algum tipo de dieta insana, mudando meu cabelo ou gastando dinheiro em maquiagem e roupas, me esforçando para que eu possa ter uma imagem que me agrade.

No meu terceiro ano de faculdade, lembro-me de ter lido uma citação do filósofo francês Albert Camus, que dizia: “Às vezes, seguir em frente, apenas continuar, é uma realização sobre-humana”. Foi exatamente assim que me senti. Mas eu estava nervosa demais para discutir minha saúde com minha família, quanto mais um psiquiatra, então decidi mergulhar em algo que me faria sentir melhor como uma forma de auto-ajuda. Na época, eu estava fazendo estágio na empresa dos meus sonhos, tirando boas notas e tinha um grupo incrível de pessoas ao meu redor que não mostravam nada além de amor. Parecia egoísta admitir que nada daquilo fazia as coisas melhores, então continuei a projetar uma imagem de confiança e alegria, mesmo que isso fosse uma mentira.

 

“Como eu descobri o K-Pop”

Quanto mais eu tentava fingir felicidade, mais me sentia sobrecarregada de dor. No ano seguinte, minha mãe admitiu que percebeu sinais de que as coisas pareciam estar erradas, apesar dos meus melhores esforços para esconder o que estava acontecendo comigo. Ela me levou para buscar ajuda e meses antes de me formar, eu fui oficialmente diagnosticada com depressão clínica. Meu psiquiatra começou a recomendar diferentes métodos de autocuidado e, por desespero, para melhorar, eu estava pronta para tentar de tudo e mais um pouco para me sentir bem novamente.

Eu tentei ter um blog, malhar e até me tornar vegana. Foi então que um amigo recomendou ouvir K-Pop como método de autocuidado. Eu simplesmente amei. “View” do SHINee tornou-se o hino de verão do meu grupo de amigos e fiquei obcecada por outra artista, IU.

Eu sempre tive a mente aberta sobre ouvir música sem me preocupar com a língua em que ela está sendo cantada. Hits são hits mesmo quando não conseguimos entendê-los, e bom, as traduções existem por um motivo. O K-Pop me deixou animada para explorar uma nova cultura, nova linguagem e uma nova maneira de me relacionar com amigos pelos quais eu era eternamente grata. Eu finalmente encontrei algo que me trazia ânimo, motivação. Eu só não percebi que isso me faria confrontar minhas próprias batalhas, até que eu vi o MV de “I Need U” pela primeira vez.

 

“O K-Pop não é muito aberto sobre saúde mental, mas o BTS sim”

O K-Pop não é a indústria mais atrativa quando se trata de discussões abertas sobre qualquer coisa que possa ser interpretada como “controvérsia”. Se você não estiver familiarizado com o funcionamento da indústria sul-coreana, é esperado que os artistas de K-Pop, também conhecidos como ídolos, não demonstrem nenhuma emoção humana negativa (exceto um coração partido, que é aceitável). O BTS, no entanto, nunca se esquivou de conversas sobre saúde mental. Eles sabem e se identificam com pensamentos sombrios, ansiedade e depressão.

Em sua recente série do YouTube Red, Burn the Stage, Jin, o membro mais velho do grupo, fala sobre tentar se manter sempre positivo para os membros mais novos, apesar de regularmente enfrentar dias depressivos e ter “um lado sombrio também”. Namjoon, o líder do grupo, explica sua ansiedade como uma “sombra” e admite “eu não diria que estou superando os sentimentos ambivalentes do outro lado da minha mente, mas parece que todo ser humano precisa de um local de descanso porque ele ou ela tem que lidar com a inevitável solidão ou escuridão.” E Yoongi tem sido extremamente vocal sobre suas próprias lutas quanto a saúde mental, particularmente em sua mixtape solo, Agust D.

Mas eles também tentam tranquilizar os fãs de que as coisas vão melhorar. Em seu novo álbum, Love Yourself: Tear, o integrante mais novo do grupo, Jungkook, ajudou a escrever e produzir uma música chamada “Magic Shop” que apresenta versos honestos como: “Em um dia você odeia ser você mesmo, em um dia você quer desaparecer para sempre, vamos construir uma porta para sua mente”, e “Eu queria consolá-lo, movê-lo, quero acabar com sua tristeza e dor. Você me deu o melhor de mim, então eu vou te dar o melhor de você”.

Durante seu recente especial de Comeback na Coreia do Sul, Jungkook explicou o significado por trás da música, dizendo: “Quando você quer escapar da realidade, você abre uma porta em sua mente, haverá Magic Shop e 7 de nós lá.” Se você não é um ARMY, pode não parecer muito, mas para aqueles de nós que são, essa música pode salvar uma vida. É um lembrete de que o bem-estar de seus fãs é genuinamente importante para todos os sete integrantes do grupo.

 

“Outros fãs do BTS também ajudam”

É por isso que, embora possamos nunca nos encontrar, sei que o BTS está torcendo por mim e por todos os outros jovens que estão achando difícil amar a si mesmos. Amá-los faz com que eu limpe meus pensamentos, me faz otimista e mais consciente de todas as bênçãos que vêm em minha direção. Apenas fazer parte do seu fandom, ser uma ARMY, me faz sentir como se eu fosse parte de algo maior do que posso expressar em palavras. Meus companheiros de fandom são um dos grupos de pessoas mais caridosos, carinhosos e engraçados que você já conheceu on-line. Eles vêm de todos os diferentes estilos de vida e fazem valer a pena enfrentar cada um dos meus dias – tanto quanto os meninos fazem.

É por isso que fico tão aborrecida quando a imprensa e os entrevistadores ocidentais fazem os ARMYs do BTS, o apelido que o grupo carinhosamente nos deu, passarmos por simples megalomaníacos fãs de uma boyband. O BTS pode ter seu lado carismático que nos fazem rir e gritar internamente em como eles podem ser fofos, mas eles também não têm medo de nos mostrar os lados que os tornam humanos, e é a isso que estamos realmente respondendo. Além do mais, fãs de todo o mundo têm falado abertamente sobre suas lutas com a saúde mental, apesar do estigma que nos faz sentir que não somos normais e que devemos nos envergonhar de nós mesmos.

A coragem necessária para se abrir on-line sobre como o BTS nos ajudou a lidar com problemas psicológicos é tão louvável que qualquer um que insensivelmente nos chame de loucos, deveria sentir-se envergonhado. Então, quando a mídia quiser rotular os ARMYs como loucos, eles deveriam pensar duas vezes sobre o peso e o estigma que uma palavra como essa carrega para aqueles que apoiam – e buscam apoio – no BTS e não estão bem. Até mesmo o BTS sabe que a mídia ocidental tem nos dado uma imagem errônea e eles sequer estão vendo esse tipo de conteúdo em sua língua nativa.

ARMYs também estão constantemente compartilhando suas próprias histórias sobre lutar contra a saúde mental on-line para lembrar uns aos outros que não estão sozinhos nessa. Compartilhar e simplesmente estar ali, lembretes diários para todos nós cuidarmos de nós mesmos. Os ARMYs não são um bando de adolescentes com hormônios a flor da pele olhando para quem é o integrante mais sexy. ARMYs são pessoas reais, com lutas reais, que se uniram para fazer parte de uma família que é tudo sobre amor.

Apreciar a arte e as personalidades do BTS nos últimos três anos tem sido uma parte fundamental para escapar – e confrontar – a minha própria tristeza. Basta ouvir a música deles, assisti-los ou vê-los se manterem fiéis a si mesmos em entrevistas e programas. Isso me faz sentir como se eu não estivesse sozinha. Eles sabem como é passar pelos altos e baixos de se sentirem extremamente felizes um dia, e que estão sufocando sem motivo algum no seguinte. E quando ouço a música deles, é mais fácil ser positivo. Ter um suporte.

Meu verso favorito do Bangtan foi quando Yoongi escreveu: “Que suas batalhas terminem em plena floração.”

Espero que a deles também. A de todos nós.

Fonte: Flare
Trans eng-ptbr; Caroline Piazza @ btsbr

 

Artigos | por em 04/07/2018
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